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A Câmara 36 de Shaolin (Shao Lin San Shi Liu Fang – 1978)
Os inimigos da dinastia Ching, liderados por Ho Kuang-Han,
estão secretamente instalados em Canton, disfarçados de mestres de
artes-marciais. Durante um brutal ataque da dinastia Manchu, Lui consegue
escapar e se concentrar em aprender artes-marciais buscando vingança.
Uma das produções mais celebradas dos Shaw Brothers,
importante no gênero, porém, impressionantemente superestimada. Com exceção das
sequências de treinamento, muito interessantes, ainda que fantasiosas em
excesso, o filme tem um roteiro pouco inspirado, até mesmo para os padrões das
obras do estúdio. O diretor Lau Kar-Leung, mestre em seu ofício, não consegue
estabelecer ritmo nesse projeto, com um primeiro ato bastante arrastado e um
terceiro ato apressado. As cenas de luta, especialmente o combate final, são surpreendentemente
pouco criativas.
O protagonista, um monge budista que busca vingança, algo
contraditório, por mais carisma que tenha Gordon Liu, não consegue transmitir
credibilidade, o que prejudica o investimento emocional do público. A sua
transformação existencial é abrupta, por mais que o corpo dele sinalize a
dificuldade das tarefas no mosteiro, chega a ser risível sua rápida mudança de
caráter, elemento que se torna absurdo em um roteiro que se leva a sério
demais. E, claro, a ausência de um oponente minimamente ameaçador, apesar de
ser interpretado pelo ótimo Lo Lieh, não ajuda no resultado. Com a atenção dada
ao treinamento do jovem, não sobrou tempo para construir um conflito instigante.
Alguns momentos são geniais, todos no segundo ato, como a descoberta da arma
perfeita em um treino ao ar livre, o San Tien Kuan, “pai” do Nunchaku, um
bastão de três segmentos que se adapta como a água aos movimentos do oponente.
Outro filme do mesmo diretor, realizado no ano seguinte, que
poucos lembram, com o título norte-americano: “Mad Monkey Kung-Fu”, entrega um
roteiro melhor, com senso de humor, personagens carismáticos, sequências de
treinamento fantásticas e combates impressionantes. E faço questão de abordar
ele no parágrafo abaixo.
O Mestre do Kung-Fu (Feng Hou – 1979)
Um exímio praticante de Kung Fu tem suas mãos quebradas por
um homem com inveja de suas habilidades. Após cair em uma armadilha preparada
pelo gangster Duen e ter suas mãos inutilizadas, Chen, que era um ator de ópera
de Pequim, passa a fazer performances de rua com um macaco treinado, e assim
passa a ganhar a vida.
Com um olhar apurado, o diretor encontrou Hsiao Ho na ópera
chinesa, ensinando a ele o estilo do macaco, o que fez a carreira dele em
vários filmes do estúdio. Esse é o melhor trabalho dele, resgatando as origens
do Kung-Fu, uma arte marcial baseada nos movimentos dos animais, nascida de
homens que observavam a natureza e incorporavam estilos marcados pela
imprevisibilidade dos golpes. Essa atitude libertária é a essência do
treinamento do jovem, que alia seu temperamento naturalmente debochado à
agilidade símia, conduzindo a momentos genuinamente engraçados e visualmente
impactantes.
O próprio diretor/coreógrafo vive o mestre dos punhos
aleijados pela inveja do antagonista, interpretado por Lo Lieh. O duelo que
ocorre logo no início do filme, entre os dois, com Leung utilizando o Tiě Shān,
um aparentemente inofensivo leque, eu considero uma das melhores cenas no
gênero. A trama de vingança é convencional, porém, Leung injeta um peso filosófico/emocional
pouco comum, focando na evolução do relacionamento de admiração mútua entre
professor e aluno, um respeito tradicional na cultura chinesa, advinda dos
ensinamentos éticos de Confúcio. O roteiro equilibra muito bem o humor e o
drama, com direito até ao gore, como no covarde ataque ao animal do mestre. Há
também uma aura onírica, mérito da fotografia de Arthur Wong e dos cenários,
especialmente aquele onde ocorrem os treinos ao entardecer.
Quando conheci esses clássicos dos Shaw Brothers, ainda
criança, achava que treinamento cruel era o “encere para direita, encere para a
esquerda” do mestre Miyagi, ou o Jean-Claude Van Damme chutando bambus em “Kickboxer”.
O treinamento do jovem em “O Mestre do Kung-Fu”, diferente do que acontece em “A
Câmara 36 de Shaolin”, é fundamentado na realidade, o que é sempre mais
interessante.
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