Adeus à Linguagem (Adieu au Langage – 2014)
Logo no início, o filme revela: “Todos os que não têm imaginação, refugiam-se na realidade”. E eu complementaria: Todos os que não têm colírio, usam óculos escuros. Godard empreende, de fato, o mais próximo de uma intensa viagem lisérgica no cinema. Em sua desconstrução, o diretor faz uso de um grande estoque de referências literárias, aproveitando para buscar inspiração visual nos artistas plásticos, compondo uma jornada sensorial diferente e tremendamente desagradável, exatamente como a proposta pede. É corajosa a forma como ele filma uma conversa entre um casal, onde o homem está tranquilamente defecando no banheiro, fazendo questão de potencializar o som do atrito das fezes na água da privada. De uma forma ironicamente enviesada, o filme critica fortemente a linguagem, que considera falida, mas, ao final da árdua experiência, fez com que eu, praticamente desidratado, quisesse me afogar na fonte de Lubitsch, Wilder, Sturges, em suma, do cinemão hollywoodiano.
E, abafado pelo barulho do produto final, existe um elemento verdadeiramente genial, um lampejo criativo que me remeteu ao Godard do início de carreira. Em uma época onde o artifício do 3D está sendo usado de maneira cada vez menos inteligente pela indústria, um senhor de oitenta e quatro anos mostrou como esse recurso pode aprimorar a imersão, oferecendo uma opção de evolução real na narrativa. Enquanto os diretores buscam formas de espetacularizar com essa ferramenta, o francês utiliza o efeito da tridimensionalidade para acentuar objetos simplórios, até com baixa resolução. Por breves segundos, no entanto, o diretor transformou uma inofensiva atração de circo em pura poesia visual. Ele faz do espectador um editor, trabalhando uma cena que se divide em duas situações, dois personagens, um homem e uma mulher, duas imagens 2D que se fundem na tela. Fechando um dos olhos, você acompanha o desenrolar da cena para apenas um dos personagens. Pouco tempo depois, os dois se reencontram. Só vendo para compreender em sua plenitude a beleza na execução.
Em poucas palavras, sem a tentativa de enxergar formas nas nuvens, o filme é insuportável em seus longos setenta minutos. É uma entediante e impenetrável exibição de pedantismo, com uma belíssima inovação linguística sendo executada em seu núcleo. Uma obra que será abraçada efusivamente por adolescentes em período de autoafirmação intelectual, que irão filosofar sobre as várias camadas interpretativas existentes na cena em que aparece uma árvore invertida, ou defenderão a beleza inebriante do contraste entre o verde da grama e o asfalto, afinal, eles entendem como poucos a genialidade do artista. Sem dúvida, com esse filme, Godard rompe de vez com a linguagem cinematográfica, com qualquer senso narrativo e estético, quiçá, com a própria sociedade humana. Gosto bastante de sua fase inicial, mas, analisando apenas por suas experiências mais recentes, aquele que opera a câmera também se tornou uma ruidosa máquina, ou, na melhor das hipóteses, um eremita com um bizarro senso de humor.
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