terça-feira, 19 de agosto de 2014

Cine Noir - Amar Foi Minha Ruína / Brutalidade / A Sombra do Pecado


Amar Foi Minha Ruína (Leave Her to Heaven - 1945)
Embora seja noiva de um político (Vincent Price), Ellen (Tierney) seduz o belo Richard (Cornel Wilde) e casa-se com ele após conhecê-lo há poucos dias. Mas Richard logo descobre com sua irmã (Jeanne Crain) e sua mãe (Mary Philips) que o egoísmo e o amor possessivo de Ellen arruinaram a vida de outras pessoas. Quando seu próprio irmão se afoga sob os cuidados de Ellen e ela perde o filho que esperava, a suspeita de Richard sobre a insaciável devoção de Ellen aumenta cada vez mais.


Nada mais propício que utilizar no título uma frase contida em "Hamlet", para uma obra cuja protagonista vive uma constante batalha interior. Ainda que a direção de John M. Stahl não tenha envelhecido muito bem, com alguns problemas de ritmo, causando um segundo ato arrastado, a beleza hipnótica de Gene Tierney (que havia feito o excelente Noir "Laura", no ano anterior) e a complexidade que ela consegue inserir em sua caracterização, alternando entre a obsessão patológica e uma pureza infantil (ela foi indicada ao Oscar por esta interpretação), nos prende a atenção. O terceiro ato ganha pontos com a presença de Vincent Price, com sua verve teatral habitual, que acabaria "casando" perfeitamente em seus projetos no gênero terror. A fotografia de um colorido exuberante, de Leon Shamroy, conquistou um Oscar, mesmo contrastando com a história sombria que emoldura. Vale ressaltar também uma excelente, e subestimada, trilha sonora de Alfred Newman. A obra foi o maior sucesso financeiro dos estúdios Fox, na década de quarenta.


Brutalidade (Brute Force - 1947)
Baseado num artigo de jornal e com roteiro de Richard Brooks (A Sangue Frio), Brutalidade conta a história de um motim na prisão de Westgate. A ação é centrada na vida de seis homens que vivem na mesma cela. O líder do grupo é o gângster Joe Collins (Burt Lancaster). Eles se rebelam por causa das atitudes sádicas do Capitão Munsey (Hume Cronyn), o chefe da guarda da prisão. 


Excelente produção dirigida por Jules Dassin, em seu período pós-guerra, antes de comandar "Rififi", que continua entretendo da mesma forma que em seu dia de estreia, funcionando como um eficiente suspense e um pioneiro "filme de prisão". A forma franca como a violência é exibida, especialmente em seu terceiro ato, chocou o público e a crítica da época, porém a mensagem que o roteiro transmite é mais profunda. A frase que fecha a obra: "ninguém realmente escapa", complementa as cenas que são mostradas em flashback, com a vida pregressa de cada prisioneiro da cela R17, evidenciando as mulheres de suas vidas, deixando claro que não existe fuga para aqueles homens. Eles nunca serão os mesmos, nunca serão vistos pela sociedade como outrora. Esta crítica ao sistema carcerário, que não reabilita os prisioneiros na sociedade, torna-se o elemento que se mantém na memória dias após a sessão. Burt Lancaster impõe com sua rochosa presença física um tipo clássico, estereotipado, mas quem surpreende positivamente é Hume Cronyn (os mais jovens o reconhecerão como um dos velhinhos no clássico dos anos oitenta: "Cocoon"), vivendo um impiedoso chefe da segurança, que escuta Wagner (referência sutil à Hitler?) enquanto tortura um dos presos.


A Sombra do Pecado (Cast a Dark Shadow - 1955)
Um esperto caçador de fortunas (Dirk Bogarde), com uma propensão para o assassinato, mata sua esposa e consegue fugir.


O diretor britânico Lewis Gilbert ficaria famoso internacionalmente por comandar três produções emblemáticas da franquia "007" (como "O Espião que me Amava", em 1977), mas realiza nesta adaptação da peça de Janet Green (responsável por "A Teia de Renda Negra" e "Meu Passado me Condena") sobre um jovem "Barba Azul", um legítimo "Noir" da melhor qualidade. Muito ajudado pela vigorosa interpretação de Dirk Bogarde, como Teddy Bare (bom trocadilho com "Bear", "Ursinho Teddy"), um jovem que utiliza generosamente seu charme para acumular fortuna. Muito interessante a forma que a câmera enquadra a cadeira de balanço da viúva, como se nela estivesse retida a força vital da mulher, que continua perseguindo a consciência do homem, mesmo após a morte. O roteiro trabalha sutilmente a possibilidade de homossexualidade no jovem, interpretado com certa afetação por Bogarde, como quando ele é visto lendo uma revista de fisiculturismo masculino. Vale destacar a fotografia do excelente Jack Asher, que traria elegância para as produções de terror dos estúdios Hammer, que trabalha, como de costume no estilo, legado do Expressionismo Alemão, as sombras, como se gradualmente aprisionassem o protagonista, até uma cena importante em que apenas seus olhos são iluminados. O desfecho é surpreendente, não perdeu sua eficiência, e o filme merece constar entre os mais interessantes do gênero.

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