quarta-feira, 30 de novembro de 2016

"O Shaolin do Sertão", de Halder Gomes


O Shaolin do Sertão (2016)
Quando Halder Gomes lançou “Cine Holliúdy”, eu enxerguei o potencial não aproveitado, por mais que quisesse gostar do filme, algo em sua estrutura técnica não facilitava nesse sentido. A evolução em “O Shaolin do Sertão” é inegável, o tema abre mais possibilidades, o nível das atuações é melhor, mas alguns problemas ainda são claramente visíveis. O humor popular competente, com origem na tradição circense, remete aos filmes clássicos dos Trapalhões, o que torna a simbologia da simpática presença de Dedé Santana ainda mais forte. O roteiro de L.G. Bayão apenas peca na repetição exagerada de algumas situações cômicas, algo que poderia ser resolvido na sala de edição. O recurso da utilização de expressões do cearencês injeta identidade ao projeto, mas também soa forçado em algumas cenas, piadas que praticamente imploram pela risada do público, quando não há necessidade alguma, já que a trama é engraçada naturalmente.

O conceito de um jovem padeiro nordestino apaixonado por filmes de artes marciais que luta para ser reconhecido como um grande lutador é encantador, resgata a nostalgia do cinema lúdico dos tempos do VHS ao ser ambientado na década de oitenta, com a fotografia espertamente visualizando as sequências de sonho com imagens riscadas e ghosting, simulando a reprodução das fitas. E que tirada genial inserir o comediante e músico Falcão, uma das figuras mais exóticas do cenário popular nacional, como um trambiqueiro que finge ser um mestre shaolin. O ponto alto do filme é o treinamento para a grande luta, com a montagem respeitando a fórmula tradicional que Hollywood consagrou, mas subvertendo insanamente o conteúdo. Só as frases de sabedoria do mestre já são mais engraçadas que comédias inteiras que o cinema nacional despeja anualmente. Edmilson Filho domina as cenas de luta, mas consegue ser mais eficiente ainda nos momentos cômicos, um carisma poderoso que, em uma sequência hilária, alia a segurança técnica na exibição marcial com desenvoltos passos de forró. O menino Piolho, vivido por Igor Jansen, demonstra incrível timing nas piadas, um talento espontâneo, assim como a veterana Fafy Siqueira, que merecia mais espaço no cinema nacional. É uma pena que nossa indústria desperdice profissionais desse nível em produções fracamente roteirizadas e com curtíssimo prazo de validade na televisão.

O combate final é longo, dando espaço para que a técnica marcial coabite com o cativante humor circense, representado pelo juiz palhaço, vivido por Tirulipa. A edição poderia ser menos generosa nessa sequência, mas o resultado não prejudica a experiência. O carisma do protagonista já ganhou o público, algo que é muito difícil de encontrar em produções nacionais similares, normalmente defendidas por comediantes forçados que abusam de berros e dinamismo gestual, quando a genialidade reside na sutileza, na naturalidade transmitida em um texto de qualidade. 

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