A Chegada (Arrival – 2016)
“Story of your Life”, de Ted Chiang, lançado em 2002, é um
dos melhores contos de ficção científica que já li, simples em sua estrutura em
primeira pessoa, mas complexo nas reflexões que propõe, com um uso de
linguística que remete às investigações filosóficas de Wittgenstein. Desde
adolescente sou fascinado pelo gênero, colecionava o “Isaac Asimov Magazine”,
editado no Brasil pela Record, no início da década de noventa. “Contato”, de
Carl Sagan, é um dos meus livros favoritos. E nem vou me alongar mais abordando
minha relação com o gênero no cinema. O que importa é ressaltar que eu não
duvidava que a adaptação comandada por Denis Villeneuve fosse resultar em algo
impactante, o canadense é um dos maiores diretores de sua geração, mas confesso
que fui surpreendido pela fidelidade ao material original, apenas expandindo o
relato intimista para um escopo global, e pela extrema sensibilidade com que
ele conduziu a trama.
Ao ser convocada para tentar estabelecer contato com os visitantes
alienígenas, a doutora em linguística, mostrada inicialmente como uma pessoa
melancólica que optou pela solidão como fuga, por medo de sofrer, encontra
motivação profissional e refúgio existencial. A complexidade na expressão dos
alienígenas, como o kanji japonês, através de ideogramas ricos em significados,
representa um desafio amedrontador, assim como a perspectiva de futuro da mãe
que precisa educar pelo exemplo, encontrando o equilíbrio entre as aspirações
que nutre pela filha e o choque irreversível de estar lidando com um ser
estranho e que precisa firmar sua personalidade própria, ainda que nascido de
seu ventre. O delicado contato deve ser mediado sempre pelo desejo genuíno de
compreensão do outro, mas, como o filme evidencia, a raça humana é propensa ao
apedrejamento como resposta imediatista para qualquer pergunta mais difícil. A
mãe repele o questionamento indesejado da filha, desviando a responsabilidade
para o pai; os militares optam facilmente pela violência perante o medo do desconhecido.
O resultado é o mesmo.
Exatamente como no conto, “A Chegada” não é sobre uma invasão
alienígena, não é sobre o contato com o desconhecido mundo externo. A alegoria
apenas injeta suspense, serve na realidade como veículo refinado para uma linda
história de amor entre mãe e filha, uma difícil jornada interna de compreensão
da dor como elemento inevitável na experiência do amadurecimento, uma
declaração libertária de união entre povos, um alerta precioso para a
necessidade do diálogo como antídoto contra a agressividade da intolerância, em
suma, um filme que traz esperança em um momento politicamente sombrio para os
norte-americanos. Somos definidos por nossas escolhas, mas caso pudéssemos
optar entre sofrer a dor de um amor fadado a ter um fim horrível, ou
simplesmente evitar o primeiro encontro com a pessoa, qual caminho
escolheríamos? Essa é a questão que o roteiro de Eric Heisserer faz, com plena
consciência de que a única resposta humanamente aceitável é a mais sádica,
emoções não são forjadas em ambientes assépticos, George Lucas já provava isso
em “THX 1138”. A protagonista Louise, vivida por Amy Adams, sabe que a dor do
término de uma relação, por mais avassaladora que seja a ruptura, não
desvaloriza os bons momentos que a antecedem, a mágica interação, a troca de
carinho, a força do perdão, pegadas na areia que serão inexoravelmente apagadas
pelas ondas. É discutível até que a aceitação lúcida da finitude seja o
elemento que verdadeiramente engrandeça a experiência. Sem um ponto final,
qualquer frase perde relevância.
Parabéns pelas colocações, meu caro. Brilhante, como sempre!
ResponderExcluirTexto excelente. Ainda não assisti a este filme, mas depois deste texto, a ida ao cinema tornou-se obrigatória
ResponderExcluirNão sigo muito este tipo de gêneros, mas adorei este filme! Sempre acompanhei o trabalho de Denis Villeneuve, quando soube que lançaria este filme, esperei com todo o meu ser a estréia A Chegada é um filme muito bom! em caso de que queiram vê-la. Seu trabalho é excepcional, seu estilo e personalidade estão bem marcados neste filme, acho que ninguém teria feito um melhor trabalho que ele.
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