O Homem do Oeste (Man of the West – 1958)
Quando se fala no velho Oeste alegórico de Hollywood, todos
se lembram das paisagens nos filmes de John Ford, da beleza do Monument
Valley emoldurando cavaleiros de trajes coloridos e sem um sinal de pó,
como se houvessem acabado de sair das páginas dos contos de aventura
adolescente. Alguns afirmam que os italianos foram os responsáveis por incutirem
a cruel realidade em seus spaghetti westerns, onde deixavam transparecer o suor
escorrendo por barbas desalinhadas, com cavaleiros trajando vestes devidamente
maltratadas pelas intempéries locais. A realidade é que antes dos italianos
decidirem parar de imitar os americanos, em filmes como “Adiós Gringo” e “O
Dólar Furado”, e evoluírem o conceito do Western, apropriando-se com competência
e subvertendo-o, houve em Hollywood um cineasta genuinamente autoral que já
ousava no gênero décadas antes.
Anthony Mann iniciou como auxiliar do competente
Preston Sturges na obra prima “Contrastes Humanos” (Sullivan´s Travels – 1941)
e logo imprimiu seu estilo narrativo em alguns bons filmes noir. Seu interesse
era em aprofundar-se nas motivações de seus protagonistas, normalmente ligados
por algum laço familiar ou afetivo. Diferente dos clássicos heróis americanos
do gênero, os de Mann usualmente escondiam algum segredo soturno, obedecendo
apenas uma lei ditada por conveniências pessoais. Conflituosos internamente e
perceptivelmente angustiados, eles buscam quase sempre a redenção por erros
antigos. Visceral mas simples, sua câmera busca apenas os ângulos que favorecem
sua narrativa, nunca ambicionando aparecer mais do que a trama que se propõe a
contar, contrastando com o senso comum de muitos diretores, até hoje, que se
vangloriam por serem “autorais”, mas que com seus arroubos visuais egocêntricos
apenas seguem, inconscientemente, uma cartilha ditada pelo primeiro que filmou
uma árvore de cabeça para baixo e escutou alguém afirmar ser genial. O ato
elegante de haver em vida se escondido por trás de seu talento, ao invés de ter
buscado os holofotes, como tantos outros diretores autorais, tornou Mann um
cineasta de qualidade rara e preciosa.
Gary Cooper (Link Jones) vive um homem disposto a apagar
suas tortas pegadas e refazer seus passos, constantemente disciplinando em si
mesmo o desejo pela violência. Negando-se a aceitar a realidade que a vida
havia lhe oferecido, tendo como única referência paterna um tio, vivido pelo
fantástico Lee J. Cobb, inconsequente e violento, decide provar a si próprio a
força de seu caráter. Desde o primeiro momento fica evidente seu desespero em
manter-se incógnito, estabelecendo identidades falsas para cada cidadão que o
aborda. Como seu nome deixa implícito, ele representa um elo (“link”) entre o
antigo Oeste violento/solitário e o Oeste domado que se principiava no horizonte,
onde a união de forças iria encaminhar o progresso. Deixando para trás a
violência, caminhando firme em direção ao homem moderno que ele precisa ser. O
símbolo desta mudança é a confiança adquirida, já que o povo de sua cidade (Good
Hope = Boa Esperança) aceita sua nova conduta e entrega em suas mãos uma
considerável soma monetária, para que ele viaje ao encontro de uma professora e
a convença a trabalhar para as crianças de sua cidade. Ele conseguirá manter-se
íntegro quando forçado a reviver seu sombrio passado? Com roteiro do competente Reginald Rose, da obra prima “Doze
Homens e uma Sentença”, e uma sensibilidade pouco usual no gênero, “O Homem do
Oeste” merece constar na coleção de qualquer cinéfilo, fã ou não do Western.
Fúria Selvagem (Man in the Wilderness – 1971)
Na época do lançamento do superestimado “O Regresso”, de Iñárritu,
eu custei a entender a razão de tanto falatório, apesar da massiva publicidade
conquistada com as indicações pros prêmios da Academia, e do infantil meme que
pedia a estatueta para o protagonista, o resultado inchado esbanjava pretensão
artística e pseudofilosofia de botequim, mas era irritantemente vazio. O melhor
filme sobre a história de Hugh Glass já havia sido feito e acumulava poeira na
memória dos cinéfilos: “Fúria Selvagem”, de Richard C. Sarafian. Esse
importante resgate proposto pela distribuidora “Versátil” pode ajudar na
necessária reavaliação desse clássico. Somente a perturbadora cena real do
búfalo sendo devorado pelos lobos já garantiria a superioridade, sequência
extremamente tensa em que o protagonista, vivido pelo grande Richard Harris, já
bastante ferido, precisa lutar pelo seu alimento.
Os flashbacks
inteligentemente inseridos vão revelando aspectos interessantes sobre o caráter
do personagem, a sua relação conflituosa com o conceito de religiosidade, elemento
que adiciona camadas interessantes de simbologia ao conto de sobrevivência, a aventura
inconsequente como fuga da realidade triste da morte da esposa, o sentimento de
culpa pelo abandono do filho nesse processo, conduzindo de forma emotivamente
eficiente o espectador até o poderoso desfecho, o embate com o líder da
expedição, que o deixou indefeso perante o que parecia ser a morte certa. Vivido
pelo imponente John Huston, um tipo ególatra que, assim como Herzog faria uma
década depois em “Fitzcarraldo”, puxa um grande barco em terra firme. O que
engrandece a obra é a beleza na constatação de que a suprema redenção, a
recuperação física e psicológica após tantos traumas, passa obrigatoriamente pelo
difícil obstáculo do perdão.
* Os filmes estão sendo lançados em DVD pela distribuidora "Versátil", com a curadoria sempre impecável de Fernando Brito, na caixa "Cinema Faroeste, Vol. 4", que conta ainda com os seguintes títulos: "Nas Margens do Rio Grande" (1959), "Barquero" (1971), "Paixão de Bravo" (1952) e "Fora das Grades" (1955).
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