Trágica Obsessão (Obsession - 1976)
Brian De Palma é, numa análise comparativa, o Tarantino profissionalmente
maduro, um cineasta que consegue amalgamar suas referências de forma bastante
consciente, pensando obras que claramente homenageiam suas matrizes, porém,
demonstram a ousadia criativa de quem reverencia um colega de vocação, não o
beija-pé de um fã adolescente com seu ídolo. “Trágica Obsessão” não costuma
figurar no topo das listas de melhores filmes dele, algo que efetivamente não
consigo compreender. Sempre considerei muito superior a “Vestida Para Matar”, “Síndrome
de Caim” e “Dublê de Corpo”, outros momentos hitchcoquianos do diretor.
Algo me faz retornar com frequência ao dueto proustiano entre
Cliff Robertson e Geneviève Bujold, essa relação que evoca “Um Corpo que Cai”
com tanta propriedade, um roteiro corajoso de Paul Schrader, que, com toda classe
e elegância romântica, valorizada na trilha de Bernard Herrmann e na fotografia
difusa de Vilmos Zsigmond, sugere situações mais aterrorizantes do que
encontramos em muitos filmes de terror. Revelar muito sobre a trama é altamente
prejudicial, então tentarei focar numa leitura complementar. O protagonista, um
homem que valoriza tremendamente o confortável status social que seu trabalho
garante, acaba se vendo em uma situação onde precisa, pela primeira vez em
anos, tomar uma decisão intempestiva, instintiva, o que ocasionará na tragédia
que irá transformar sua vida. Dezessete anos depois, um período que a trama contundentemente
omite, dando a impressão de que foi um coma existencial, ele terá uma chance
única de revisitar o seu trauma e se livrar do peso que carrega em sua
consciência.
Acho fantástica a forma como o diretor evidencia o senso de
perigo logo na cena inicial, a cerimônia festiva no lar do casal, convidados
dançando valsa, mas, sutilmente, jogando diretamente com o público, a câmera
flagra um revólver escondido na cintura de um dos sorridentes garçons. A violência
que aguarda à espreita em um ambiente aparentemente tranquilo, complementada
pelo leitmotiv que se apresenta numa cena dentro de uma igreja, com o discurso
sobre manter, ou não, uma pintura restaurada de um artista, ainda que se
descubra que ela esconde uma arte desconhecida, um esboço ou algo mais
interessante. Vale a pena se desfazer do garantido, a projeção do desejo, motivado
pela curiosidade sobre o novo? O desfecho intensamente perturbador, emoldurado
pela fotografia onírica estabelecida em cenas anteriores, insinua que a
realidade pode ter sido radicalmente diferente desse “final feliz” em freeze
frame. Essa dúvida, esse diálogo constante com o espectador, é um dos aspectos
que mais me fascina na obra.
* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora "Versátil".
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