Glória Sem Mácula (Tunes of Glory – 1960)
Um dos aspectos mais interessantes dessa injustamente
esquecida pérola do cinema britânico, ainda que não seja algo proposital na
trama, é sua crítica bem-humorada ao militarismo. O absurdo inerente às cenas
que representam o conflito entre os dois oficiais experientes, vividos por Alec
Guinness e John Mills, uma guerra de egos envolvendo a questão da dança
tradicional escocesa ter uma pegada mais formal ou mais descontraída, parece material
do grupo Monty Python. A direção sóbria de Ronald Neame ajuda, involuntariamente,
a reforçar esse tom.
A vulnerabilidade emocional do personagem de Guinness, em um
de seus melhores momentos no cinema, sofre um abalo considerável com a chegada
do seu substituto no comando, alguém que simboliza perfeitamente esse sistema,
um indivíduo que verdadeiramente se considera um ser superior apenas por sua
posição na hierarquia militar. Ele, um idealista que vive e morreria para
manter sua posição no regimento, despreza o relacionamento de amizade que se
formou entre os companheiros, além de considerar um ultraje que os oficiais se
divirtam e bebam enquanto dançam ao som de suas melodias de guerra. Jock, por
outro lado, começou como um gaiteiro, tendo escalado os degraus até sua posição
atual. Ele manteve em sua alma o espírito livre daquele jovem que entrou no
sistema por amor à pátria, não pela ganância do acúmulo de poder, o que
estimula naturalmente o respeito de seus comandados.
O que engrandece o roteiro de James Kennaway, muito
eficiente em revisões, é a riqueza de motivações nos dois personagens. Você
pode acompanhar cada sessão pelo ponto de vista dos dois, tomando partidos
diferentes, encontrando vários argumentos que sustentem a razão em suas
atitudes. Não há herói ou vilão, apenas dois homens com abordagens distintas
sobre um tema em comum. O poderoso desfecho é desconcertante, um dos mais
emblemáticos em sua década.
* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora "Obras-Primas do Cinema", em "Coleção Dose Dupla - Ronald Neame", tendo como extra uma entrevista com o diretor. O segundo filme é "O Homem Que Nunca Existiu", de 1956.
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