O Barco das Ilusões (Show Boat – 1951)
Baseado na obra de Edna Ferber, com uma temática corajosa,
esse musical da MGM, com composições de Jerome Kern e Oscar Hammerstein II,
teve duas adaptações em Hollywood, sendo essa, dirigida pelo mestre do gênero:
George Sidney, aquela que considero superior em todos os aspectos. Como
curiosidade, acho interessante citar que a censura do Código Hays
impossibilitou a participação de Lena Horne, no papel que acabou ficando com
Ava Gardner, por ser negra. Ela havia se destacado no musical “Quando as Nuvens
Passam”, de 1946, cantando “Can’t Help Lovin’ Dat Man”, uma das canções mais
bonitas de “Show Boat”, num trecho que homenageava a obra de Jerome Kern. O
estúpido racismo da época, que não aceitava a relação amorosa entre duas raças
na tela grande, entregou a personagem mestiça nas mãos de Gardner, branca como
leite, que foi dublada nas músicas por Annette Warren.
A câmera se apaixona por Ava desde seu primeiro momento em
cena, seu carisma é inegável, uma das mais belas estrelas do cinema, mas, sem
titubear, considero mais atraente o charme de Kathryn Grayson, aquele sorriso
encantador que transmitia um misto de inocência e ousadia, que coube
perfeitamente em sua Magnólia, uma mulher capaz de se manter apaixonada por um
homem, por alguns anos, nessa adaptação, ou longos vinte e três, no original, ainda
que ele já tenha se perdido no vício pelo jogo, pelo tempo necessário até que
ele perceba o erro. É lindo o sacrifício da personagem de Ava, escrava de outro
vício, o álcool, desistindo de sua carreira em um espetáculo, ao descobrir que
sua jovem amiga, Magnólia, estava buscando emprego. A forma como a situação é
trabalhada, elegante, evitando o melodrama fácil, potencializa a emoção na cena
final, que não irei revelar aqui.
A canção mais famosa da obra é o tocante e trágico lamento
dos negros: “Ol’ Man River” (“... estou cansado de viver, porém, tenho medo de
morrer...”), interpretado por William Warfield. Gosto bastante de “Life Upon
The Wicked Stage”, que emoldura a simpática apresentação do casal de dançarinos,
porém, minha favorita é “Make Believe”, que simboliza o poder de investir no
impossível, acreditar no sonho, dar o salto de fé. A canção, dueto de Grayson e
Howard Keel, emociona ainda mais em sua reapresentação no terceiro ato,
representando o legado do amor que, mesmo breve, acaba se eternizando na Arte,
como o rio que conduz o barco das ilusões para suas próximas apresentações.
* O filme está sendo lançado em DVD, inédito em home video,
pela distribuidora “Obras-Primas do Cinema”.
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