quarta-feira, 27 de maio de 2015

Chumbo Quente - "Audazes e Malditos"


Audazes e Malditos (Sergeant Rutledge – 1960)
Sargento negro da cavalaria americana, formada por antigos escravos, é acusado do assassinato do comandante e de sua filha, e tenta provar sua inocência. 


O estúdio queria Sidney Poitier, um ator extremamente competente, porém, o diretor John Ford exigiu que o protagonista fosse vivido por Woody Strode. Alguns críticos da época evidenciaram a opção como equivocada, salientando a pouca desenvoltura dele em várias cenas, sem dúvida, um ator muito limitado. O que os críticos da época falharam em compreender, uma demonstração da lucidez criativa de um cineasta já no crepúsculo de sua carreira, é que o elemento mais importante era a imponência física de alguém que precisava provar seu caráter em uma sociedade predisposta a destruí-lo ao primeiro sinal de fraqueza.

Qualquer entonação calculada ou maneirismo estudado de um ator poderia minimizar a estranheza que a câmera buscava, como que se desse a ele uma aura mítica, que o colocasse em destaque. E percebemos a eficiência dessa escolha analisando as cenas do tribunal, onde podemos enxergar esses maneirismos teatrais no personagem de Jeffrey Hunter, o advogado de defesa, e, em maior intensidade, no alívio cômico representado pela interação constante entre o juiz, seu debochado colega de mesa e sua esposa. E, quando ele explode, na cena mais emocionante, em que ele se defende no tribunal, conseguimos sentir a pungência da angústia de um homem que sabia estar tendo sua melhor chance no cinema. A grandeza mítica fica ainda mais evidente na tomada em que mostra os companheiros homenageando o personagem com uma canção, com o enquadramento, aliado à fotografia expressionista de Bert Glennon e a expressão no rosto de Strode, compondo uma figura heroica que é maior que seu ambiente, acima do mítico Velho Oeste.

Filmes que abordavam a estupidez do racismo só viriam a se popularizar no final da década de sessenta, com “No Calor da Noite” e “Adivinhe Quem Vem Para Jantar”, ambos de 1967. Mas antes mesmo de “O Sol é Para Todos”, de 1962, John Ford atacava o tema com objetividade corajosa, nesse ótimo filme que merece maior reconhecimento. Enquanto o negro da célebre obra protagonizada por Gregory Peck era mostrado como alguém passivo, que precisava ser defendido pelo homem branco, o sargento negro de Ford, após encontrar a menina violentada, foge da cena do crime, por saber, como o personagem afirma numa poderosa cena, que a sociedade não estava preparada para entender a inocência de um negro, ainda que ela fosse provada em julgamento. Um viés mais audacioso, que, mesmo conduzindo a um final feliz, é, em essência, pouco otimista.


* O filme está sendo lançado em DVD, pela distribuidora "Versátil", na caixa "Cinema Faroeste", que conta também com: “Comando Negro”, “O Homem Que Luta Só”, “Almas em Fúria”, “Paixão Selvagem” e “Reinado do Terror”.

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