Do Além (From Beyond – 1986)
“... Essas ondas abrirão para nós inúmeros panoramas
desconhecidos do homem e muitos desconhecidos de qualquer coisa que consideramos
como vida orgânica. Haveremos de ver aquilo para o qual os cachorros uivam na
escuridão, aquilo para o qual os gatos levantam suas orelhas após a meia-noite.
Veremos essas coisas e outras coisas que nenhuma criatura que respira jamais
viu...”.
O conto homônimo escrito por H.P. Lovecraft, em 1920, foi
transposto para o cinema pelo diretor Stuart Gordon, que conseguiu manter rigorosa
fidelidade na trama, incorporando personagens e os deliciosos exageros típicos
do produtor/roteirista Brian Yuzna. A equipe que havia comandado o ótimo “Re-Animator”,
também adaptado de uma obra do escritor, retornou com o mesmo entusiasmo
criativo. Eu nunca me esqueço da capa do VHS na locadora de vídeo, com o rosto
deformado do inconsequente Dr. Pretorius, criação do roteiro, vivido por Ted
Sorel. Uma época em que, devido a um misto de ansiedade e pavor, o início da
vinheta sonora da distribuidora na fita já causava um frio na barriga.
A ambição, o complexo de Deus, de um homem obcecado em
alcançar níveis sensoriais superiores, enxergando o além, perscrutando o
desconhecido através de estímulos artificiais na glândula pineal, o terceiro
olho, como Descartes afirmava. Como resposta para sua ausência de escrúpulos, a
máquina desvela uma dimensão de horror inimaginável. É quando o roteiro
amalgama referências que nos remetem ao universo fetichista sádico do escritor
Clive Barker, inserindo experiências de dor e desejo sexual, expondo a
fragilidade da carne. A eficiência visual das horripilantes criaturas, mérito
do mestre Mark Shostrom, trabalha esse conceito, entregando um simbolismo maior
do que havia no conto.
Vale destacar também a presença do carismático Ken Foree, do
clássico “O Despertar dos Mortos”, como o policial azarado que acompanha a belíssima
psiquiatra, vivida por Barbara Crampton, e o sempre histriônico, no bom
sentido, Jeffrey Combs. O acionamento da máquina por uma alavanca é uma
homenagem direta aos clássicos, como “Frankenstein”. O gore, realizado de forma
muito competente, é intensificado no terceiro ato, que quase resvala no humor,
com a glândula pineal agindo como um personagem, incentivando sua vítima a se
alimentar de cérebros humanos. Aliás, é impressionante, ainda hoje, a cena do
rapaz sugando o cérebro pelos olhos da vítima. O cinema de terror perdeu muito
com a dependência atual pela computação gráfica.
* O filme está sendo lançado, em versão sem cortes, pela
distribuidora “Versátil”, na caixa “Lovecraft no Cinema”, com
exclusividade pela Livraria Cultura, contendo ainda: “Re-Animator”, “A Beira da
Loucura” e o documentário “Lovecraft – Medo do Desconhecido”.
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