sábado, 7 de fevereiro de 2015

Sonhos de Luis Buñuel


“A cultura moderna é infelizmente inseparável do poder econômico e militar. Uma nação dominante consegue impor sua cultura e conceder fama mundial a um escritor de “segunda” como Ernest Hemingway. Caso William Faulkner houvesse nascido no Paraguai ou na Turquia, quem o leria?”.

Alfred Hitchcock o considerava o melhor diretor de todos os tempos. Eu considero-o mais interessante como pessoa do que como cineasta, mesmo sendo um fã ardoroso de algumas de suas obras. Assim como seu trabalho, a vida de Luis Buñuel é um mistério que ainda hoje fascina aqueles que são afeitos a limitar cineastas em estereótipos inalcançáveis, afastando-os gradualmente da mundana realidade e trancafiando-os nos recônditos dos museus das universidades de cinema. O trabalho do diretor foi ano após ano afastado do público. O senso comum sobre ele foi alimentado pela bela homenagem feita por Woody Allen em “Meia Noite em Paris”, mesmo que eu tenha percebido que grande parcela do público sequer reconheceu-o na tela. Sinceramente não os culpo, pois o cineasta encontra-se preso nas masmorras do pseudointelectualismo, junto de tantos outros gênios artesãos da Arte, loucos para serem liberados e calorosamente abraçados pelo povo.

“Não perguntem minha opinião sobre a arte, porque não tenho. Preocupações estéticas sempre tiveram ínfima participação em minha vida. Normalmente sorrio quando um crítico cita, por exemplo, minha paleta de cores. Acho impossível perder horas em galerias analisando e gesticulando. Sinto-me desconfortável com a técnica grandiloquente e a forma como politiza a Arte”.

Nascido na Espanha, o jovem foi educado desde cedo em um colégio jesuíta. Primogênito e solitário, com sete irmãos, refugiou-se precocemente no poder de sua imaginação. Após uma briga na escola, decidiu que não iria mais retornar a ela, porém disse para sua mãe que havia sido expulso, mesmo tendo recebido as maiores notas em seu exame de história, o que também era fruto de sua imaginação. Esse temperamento ele iria carregar durante toda sua vida. Anos depois, durante sua temporada na universidade de Madrid, onde acabaria optando por filosofia, tornou-se amigo de Salvador Dalí e do poeta Federico García Lorca. Quase uma década depois teve seu fascínio pelo cinema despertado, realizando em parceria com Dalí seu primeiro curta: “Um Cão Andaluz” (1928). Iniciava seu exercício questionador acerca das sagradas instituições, criando obras subversivas em sua vã tentativa de compreender a necessidade das religiões e a razão que leva os homens a dependerem delas.

“Durante toda minha vida fui perseguido por estas questões: porque a vida é assim e não de outra forma? Este desespero em compreender, preencher as lacunas, somente torna a vida mais banal. Caso tivéssemos a coragem de deixar nossas vidas nas mãos da sorte, aceitando o fundamental mistério de nossa existência, talvez nos aproximássemos do tipo de felicidade que advém da inocência… Sexo sem religião é como fritar um ovo sem sal. O pecado produz o desejo… Graças a Deus sou ateu.”

Com a ascensão do fascismo na Europa, Buñuel acabou ficando nos Estados Unidos, onde durante anos supervisionou a dublagem dos filmes da Warner para o espanhol. Obras primas foram realizadas nos anos seguintes, como “Viridiana”, “O Anjo Exterminador” e “O Discreto Charme da Burguesia”. Tanto os questionamentos sobre a dublagem como a exagerada militância ateia, se é que chamá-la disto já não a enquadra em um tipo de seita própria, estão em moda hoje, sendo discutidas calorosamente entre os adolescentes intelectuais que exaltaram exageradamente “Os Vingadores”, mas costumam, quando convém, agarrar-se a Lars Von Trier e Terrence Malick em suas batalhas virtuais por autoafirmação. Engraçado encontrar na vida do diretor essas duas constatações:

A) Ele não somente compreendia a importância desta ferramenta (dublagem), como chegou a supervisionar esse processo.
B) Após passar sua vida inteira questionando suas crenças, ou a necessidade de existirem, afirmou em 1977, poucos anos antes de sua morte, ao “The New Yorker” em uma nota de repúdio à sua forma anterior de analisar o tema: “não sou cristão, mas também não posso me considerar ateu... Devemos fugir do sentimento de culpa, não do conceito de Deus.”

Buñuel lutou a vida inteira contra o comodismo. O surrealismo retratado em suas obras era um reflexo direto de sua forma de ver o mundo e a sociedade.Inteligente, sabia que quanto mais barulho faz uma carroça, menos conteúdo ela carrega. Ele não gostava de explicar ou promover seus filmes, pois não queria estragar a experiência do público. Quando perguntado sobre a razão que o impelia a realizar suas obras, ele afirmava:

“Para mostrar que este não é o melhor de todos os mundos".

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