“A cultura moderna é infelizmente inseparável do poder
econômico e militar. Uma nação dominante consegue impor sua cultura e conceder
fama mundial a um escritor de “segunda” como Ernest Hemingway. Caso William
Faulkner houvesse nascido no Paraguai ou na Turquia, quem o leria?”.
Alfred Hitchcock o considerava o melhor diretor de todos os
tempos. Eu considero-o mais interessante como pessoa do que como cineasta,
mesmo sendo um fã ardoroso de algumas de suas obras. Assim como seu trabalho, a
vida de Luis Buñuel é um mistério que ainda hoje fascina aqueles que são afeitos a
limitar cineastas em estereótipos inalcançáveis, afastando-os gradualmente da
mundana realidade e trancafiando-os nos recônditos dos museus das
universidades de cinema. O trabalho do diretor foi ano após ano afastado do
público. O senso comum sobre
ele foi alimentado pela bela homenagem feita por Woody Allen em
“Meia Noite em Paris”, mesmo que eu tenha percebido que grande parcela do
público sequer reconheceu-o na tela. Sinceramente não os culpo, pois o
cineasta encontra-se preso nas masmorras do pseudointelectualismo, junto de
tantos outros gênios artesãos da Arte, loucos para serem liberados e
calorosamente abraçados pelo povo.
“Não perguntem minha opinião sobre a arte, porque não tenho.
Preocupações estéticas sempre tiveram ínfima participação em minha vida.
Normalmente sorrio quando um crítico cita, por exemplo, minha paleta
de cores. Acho impossível perder horas em galerias analisando e gesticulando.
Sinto-me desconfortável com a técnica grandiloquente e a forma como politiza a Arte”.
Nascido na Espanha, o jovem foi educado desde cedo em um
colégio jesuíta. Primogênito e solitário, com sete irmãos, refugiou-se
precocemente no poder de sua imaginação. Após uma briga na escola, decidiu que
não iria mais retornar a ela, porém disse para sua mãe que havia sido expulso,
mesmo tendo recebido as maiores notas em seu exame de história, o que também
era fruto de sua imaginação. Esse temperamento ele iria carregar durante toda
sua vida. Anos depois, durante sua temporada na universidade de Madrid, onde
acabaria optando por filosofia, tornou-se amigo de Salvador Dalí e do poeta
Federico García Lorca. Quase uma década depois teve seu fascínio pelo cinema
despertado, realizando em parceria com Dalí seu primeiro curta: “Um Cão Andaluz”
(1928). Iniciava seu exercício questionador acerca das sagradas instituições,
criando obras subversivas em sua vã tentativa de compreender a necessidade das
religiões e a razão que leva os homens a dependerem delas.
“Durante toda minha vida fui perseguido por estas questões:
porque a vida é assim e não de outra forma? Este desespero em compreender,
preencher as lacunas, somente torna a vida mais banal. Caso tivéssemos a
coragem de deixar nossas vidas nas mãos da sorte, aceitando o fundamental
mistério de nossa existência, talvez nos aproximássemos do tipo de felicidade
que advém da inocência… Sexo sem religião é como fritar um ovo sem sal. O
pecado produz o desejo… Graças a Deus sou ateu.”
Com a ascensão do fascismo na Europa, Buñuel acabou ficando
nos Estados Unidos, onde durante anos supervisionou a dublagem dos filmes da
Warner para o espanhol. Obras primas foram realizadas nos anos seguintes, como
“Viridiana”, “O Anjo Exterminador” e “O Discreto Charme da Burguesia”. Tanto os
questionamentos sobre a dublagem como a exagerada militância ateia, se é que
chamá-la disto já não a enquadra em um tipo de seita própria, estão em moda
hoje, sendo discutidas calorosamente entre os adolescentes intelectuais que
exaltaram exageradamente “Os Vingadores”, mas costumam, quando convém, agarrar-se a Lars Von
Trier e Terrence Malick em suas batalhas virtuais por autoafirmação. Engraçado
encontrar na vida do diretor essas duas constatações:
A) Ele não somente compreendia a importância desta
ferramenta (dublagem), como chegou a supervisionar esse processo.
B) Após passar sua vida inteira questionando suas
crenças, ou a necessidade de existirem, afirmou em 1977, poucos anos antes de
sua morte, ao “The New Yorker” em uma nota de repúdio à sua forma anterior de
analisar o tema: “não sou cristão, mas também não posso me considerar
ateu... Devemos fugir do sentimento de culpa, não do conceito de Deus.”
Buñuel lutou a vida inteira contra o comodismo. O
surrealismo retratado em suas obras era um reflexo direto de sua forma de ver o
mundo e a sociedade.Inteligente, sabia que quanto mais barulho faz uma carroça, menos conteúdo ela carrega. Ele não gostava de explicar ou promover
seus filmes, pois não queria estragar a experiência do público. Quando
perguntado sobre a razão que o impelia a realizar suas obras, ele afirmava:
“Para mostrar que este não é o melhor de todos os mundos".
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