La Sapienza (2014)
A antinaturalidade bressoniana dos trabalhos de Eugène Green me
encanta mais a cada projeto. Esse, ainda que não tenha superado “A Ponte das
Artes”, que considero seu melhor trabalho, consegue injetar emoção e densidade
intelectual em uma trama comum, que poderia facilmente se tornar um ótimo
sonífero em mãos menos capazes. A trama aborda um arquiteto de meia-idade,
vivido por Fabrizio Rongione, que se descobre intensamente frustrado ao
perceber que desperdiçava seu talento em construções padronizadas, edificações
que serviam apenas a uma funcionalidade que não dependia de qualquer traço de
personalidade do seu criador. Ele decide então embarcar em uma longa jornada
para reviver os passos de seu ídolo na profissão, um mestre barroco romano do
século dezessete.
A bela alegoria trata verdadeiramente da erudita viagem interna de alguém que
deseja se reencontrar com sua paixão inicial pelo trabalho que realiza,
implacavelmente se desintoxicando da medíocre geografia urbana globalizada. O
segundo ato ganha pontos com a entrada do jovem estudante, vivido por Ludovico
Succio, completamente apaixonado pelo tema, muito esforçado, mas sem o
aprendizado técnico, um reflexo do arquiteto de outrora no espelho da vida.
Inicialmente pouco disposto a servir de tutor, mas eventualmente cativado pelo
amor do discípulo pela arquitetura, o homem terá uma chance perfeita de
recuperar o entusiasmo perdido, descobrindo ao constatar no horizonte
crepuscular de sua vida que a real sabedoria, leitmotiv expresso já no título,
reside na dedicada preparação para esse utópico e subjetivo conceito. O sonho
que motiva o esforço, elemento que nunca deve se perder nas curvas frustrantes
da vida.
O Cordeiro (Kuzu - 2014)
O diretor turco Kutlug Ataman consegue utilizar um tema incomum como ponto
de partida para um bem-humorado conto em tom de fabulesca simplicidade, onde as
famílias de uma pequena aldeia no leste da Anatólia se preparam para um ritual
de circuncisão de seus filhos mais novos, uma cerimônia dispendiosa que causa
conflitos e, no caso do pequeno Mert, vivido com graciosidade por Mert Tastan,
profundo pavor, por ter acreditado na brincadeira de sua irmã, passando a
pensar que será servido como refeição no banquete que tradicionalmente é
servido na ocasião, já que sua família, muito pobre, não consegue encontrar um
cordeiro.
Para o pai do menino, essa caçada é uma questão de honra, o que possibilita ao
roteiro um aprofundamento nas alegorias sociais, já que a preocupação deixa de
ser a importância transcendental do ritual na vida do menino, para gradualmente
se tornar motivo de vergonha existencial, com a família preocupada com o que os
outros irão pensar. É um conto moralista, mas que expõe seu discurso de forma
bastante sutil, sem desvios excessivamente melodramáticos, conduzindo o público
na maior parte do tempo pelo ponto de vista do imaginário infantil, como
“Indomável Sonhadora”, “O Balão Branco” e “Os Meninos da Rua Paulo”.
É válido destacar o poético e melancólico desfecho, emoldurado pela bela
fotografia de Feza Caldiran, ainda que contraste tematicamente com o
distanciamento emocional que havia sido estabelecido, simbolizado especialmente
pela ausência de uma trilha sonora em grande parte da obra.
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