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Terror nas Trevas (E tu vivrai nel terrore! L'aldilà –
1981)
A melhor maneira de enxergar essa obra de Lucio Fulci, inspirada
em “A Mansão do Inferno”, de Dario Argento, além de “A Sentinela dos Malditos”,
de Michael Winner, realizada com baixo orçamento e filmada em cinco semanas, é
como um perturbador pesadelo. A trama é simples: um hotel é construído sobre um
dos sete portões do inferno, algo que a nova proprietária, vivida pela inglesa Catriona
MacColl, acaba descobrindo ao entender que um velho bruxo havia sido
assassinado décadas antes, crucificado em uma das paredes do local. O roteiro é
uma desculpa para o diretor exercitar sua macabra criatividade, elaborando
cenas sangrentas surrealistas, como o ataque de aranhas em uma biblioteca, o
rosto de uma mulher sendo derretido lentamente pelo ácido, ou o devastador
terceiro ato passado teoricamente no hospital, com o herói portando um revólver
de munição infinita.
A realidade que poucos críticos percebem é que o casal
jamais deixou o hotel. Os últimos vinte minutos são a forma encontrada por
Fulci para retratar o além (l’aldilá). O casal tenta fugir adentrando um
elevador, apenas para descobrirmos que eles acabaram voltando para o mesmo
ambiente, a sala de autópsia. O que pode ser tido como um erro de continuidade,
eu prefiro entender como mais uma maneira de confundir o público, deixando
claro que naquele pesadelo, tempo e espaço são conceitos indomáveis. O homem
percebe que seu revólver ficou sem munição, porém, exatamente como num sonho,
ele segue atirando. Os personagens descobriram mais do que deviam, sendo
penalizados com a descida ao inferno, culminando com a exposição da cegueira. Eles
já estavam nas trevas durante todo o terceiro ato, fazendo-nos entender o tipo
de existência maldita que Emily, presa na escuridão desde o incidente no
passado, e a jovem ruiva enfrentavam. Os terrores vividos por eles,
profetizados no livro de Eibon, dão vazão à obsessão do diretor com os olhos,
um gore impactante, mérito do mestre Giannetto De Rossi, e que nos remete a
Luis Buñuel e seu “Um Cão Andaluz”. O final melancólico, abrupto, difícil de
esquecer, estabelece o terror do casal como uma realidade que está apenas
começando.
Priorizando a atmosfera, lição que os cineastas modernos do
gênero falham em entender, Fulci desorienta constantemente o espectador,
utilizando a carnificina, focando na desintegração da carne, como uma maneira
metafórica e espiritualista de filosofar sobre a fragilidade do corpo. O deserto
que descobrimos ao final, um horizonte sem fim de desesperança, uma visão
depressiva do além.
* O filme está sendo lançado pela distribuidora Versátil, na caixa "Obras-Primas do Terror 2".
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