No Limiar da Vida (Nära Livet - 1958)
A primeira imagem que me vem à mente quando penso no filme
ocorre logo no início, tão simples que, perto da complexidade dos diálogos
dominantes, pode até ser esquecida. O bebê de brinquedo que cai das mãos da
paciente. O símbolo é forte, atemporal, a sociedade prepara as meninas, desde a
infância, à maternidade, por conseguinte, a mesma sociedade pressiona
psicologicamente a mulher que, por qualquer motivo, decida não ter filhos. É
cruel, desumano, estabelecer que o ato de ignorar um ritual represente demérito
ao indivíduo. O julgamento começa cedo, quase sempre amparado por dogmas
religiosos, elas são tidas como egoístas, frias, pessoas ruins que não gostam
de crianças, apenas por não aceitarem a maternidade romantizada como imposição
em suas vidas. Se hoje em dia o assunto ainda rende debates calorosos com
psicólogos, imagine em 1958!
Ingmar Bergman aborda o tema de forma intimista, utilizando
o cenário reduzido de uma maternidade, três pacientes que, por acaso, estão
compartilhando o mesmo quarto. Cecilia (Ingrid Thulin), que teve uma hemorragia
que colocou a gravidez em risco, Stina (Eva Dahlbeck), saudável e apaixonada
pela ideia do bebê que está vindo, e a adolescente Hjördis (Bibi Andersson),
que esconde da mãe a gravidez e deseja abortar. Stina é o modelo ideal vendido
pelo sistema, feliz, cheia de sonhos, planejando a chegada do bebê com o gentil
marido (Max von Sydow). Quando a dura realidade se faz presente, cortando o véu
da ilusão, ela retorna para seu estado infantil, frágil, incapaz de saber como
lidar com o problema. Cecilia sofre a perda do bebê, não tanto pela vontade de
ser mãe, mas, sim, por não ter mais aquilo que poderia segurar seu
relacionamento desgastado com o marido. Ela aprende que o relacionamento deve
ser debatido sem muletas, fugir nunca é solução. Hjördis nunca desejou ser mãe,
mas, no decorrer das horas, amadurece, desabafa e se despe de preconceitos, aprendendo
que precisa enfrentar seu medo, restabelecer contato com sua mãe e enxergar o
bebê, realidade inescapável, como a possibilidade de um novo caminho a ser
desbravado.
Os arcos narrativos são trabalhados de forma impecável na
curta duração da obra, uma pérola pouco lembrada e que merece constar entre os
melhores filmes do mestre sueco.
De fato, um dos mais importantes filmes de um diretor cuja obra é fundamental no cinema. Bem lembrado.
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