Emmanuelle (1974)
Emmanuelle 2 (Emmanuelle: L'antivierge - 1975)
Emmanuelle é a heroína de uma deliciosa fantasia emoldurada
por cenários exóticos, uma espécie de James Bond desempregado. Assim como o
escritor Ian Fleming enfrentou a rotineira realidade de seu casamento
extravasando nas páginas ao criar múltiplas aventuras românticas do mulherengo
agente secreto, a jovem vivida por Sylvia Kristel desafiava os limites do sexo,
quebrando todos os tabus de uma sociedade hipócrita. Apesar do péssimo terceiro
filme “Adeus Emmanuelle”, de 1977, destruir o conceito libertário trabalhado
nos anteriores, transformando a protagonista em uma mundana e entediada monogâmica,
equívoco imperdoável, poucos dedicam devida atenção a este fenômeno do cinema
erótico. Eu tive contato inicialmente na adolescência com as produções
televisivas da década de noventa, que eram transmitidas nas madrugadas, sensorialmente
eficientes, mas artisticamente medíocres, muito distantes da elegância
trabalhada pelo diretor francês Just Jaeckin na década de setenta,
complementada no ano seguinte pela estética refinada de Francis Giacobetti.
Com a queda da censura do Código Hays no final dos anos sessenta,
a indústria de cinema começou a investir em tramas mais ousadas, de olho nas
bilheterias astronômicas. A Columbia Pictures lançou então seu primeiro projeto
X-rated, adaptado do livro homônimo escrito pela tailandesa Emmanuelle Arsan
(ou, como muitas fontes afirmam, escrito por seu marido, Louis-Jacques
Rollet-Andriane), para o desprezo da crítica. O sucesso foi impressionante,
muito graças à presença inebriante da holandesa Sylvia Kristel. Aquele rosto de
anjo, olhar que misturava ingenuidade e malícia, traços leves, corpo talhado a
cinzel, uma boca que prometia um universo de possibilidades, verdadeiramente irresistível.
A personagem, casada com um diplomata, começa o filme
insegura, emocionalmente travada, apesar do marido incentivar aventuras com
outros homens e mulheres, um relacionamento que critica os rituais impostos.
Com a ajuda de um cavalheiro mais velho, vivido por Alain Cuny, que trabalhou com
Fellini e Buñuel, ela aprende na prática que o desejo deve subjugar a razão, na
tentativa de alcançar níveis mais avançados (transcendentais) de prazer. A
dondoca inocente e fragilizada é estimulada a se tornar uma fera primordialmente
instintiva, o processo é mostrado com foco na sensualidade, com utilização
generosa de decotes reveladores, ao invés do caminho mais explícito que seria
abraçado nas continuações. A fenda no vestido é sempre muito mais interessante
que a nudez, o desejo por ver mais é o real tesouro. A direção de fotografia de
Richard Suzuki potencializa o aspecto quase onírico, nada realista, com a ótima
trilha sonora de Pierre Bachelet ajudando a estabelecer o clima desde a
primeira cena. O resultado é medianamente satisfatório, mas seria superado pela
sequência, com folga, aquele que considero o melhor filme erótico da história
do cinema.
“Emmanuelle 2” é espetacular naquilo que se propõe a ser, com
a protagonista agora totalmente liberada para experimentar ao máximo, confiante
e mais sedutora que nunca! A linda trilha sonora do sempre competente Francis
Lai eleva o nível, culminando com uma canção defendida pela própria atriz: “L'amour
d'aimer”. A criativa utilização das cores (figurino e cenário), vermelho simbolizando
a paixão, e azul dominando as sequências imaginárias no roteiro, são detalhes
que sequer seriam cogitados em produções similares. A classe com que a câmera
registra as cenas de sexo, a composição inteligente do quadro, reforçando a beleza
na coreografia dos corpos. O suspense bem trabalhado no desenvolvimento da
relação que se forma entre o casal e a lolita pura vivida por Catherine Rivet, espécie
de versão embrionária da própria Emmanuelle, intensificado a cada troca de olhares,
a cada gesto de carinho suave, até que explode na catarse que finaliza a obra,
conduzindo ao poético momento em que Kristel quebra a quarta parede, como que
convidando o público a tomar parte em sua celebração da vida.
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