quarta-feira, 26 de julho de 2017

"Foucault Contra Si Mesmo", de François Caillat


Foucault Contra Si Mesmo (Foucault Contre Lui-Même – 2014)
“Escrever é transformar, é desprender-se de si mesmo, dissociar-se de si mesmo. Se eu já soubesse aonde estava indo, não escreveria. ”

Em pouco mais de cinquenta minutos, amparados em entrevistas com críticos, sociólogos e filósofos contemporâneos, o documentário acertadamente evita trilhar o caminho convencional didático de projetos similares, quase sempre dominados pelo distante olhar do outro sobre a matéria. Ao optar pela condução propositalmente caótica de vozes que, por hábito filosófico, primam pelo questionamento constante, ao invés de especialistas que se consideram donos da razão, o espectador é presenteado com um fluxo de ideias que primordialmente incitam debate.

A estética anticonformista, dividida em quatro capítulos e um epílogo, tendo como base argumentativa os livros: “História da Loucura na Idade Clássica”, “As Palavras e as Coisas” e “História da Sexualidade”, além de ser intelectualmente instigante, também é coerente com o legado do homenageado, especialmente quando aborda e, de certa forma, celebra suas contradições. Michel Foucault sempre confrontava o livro em que trabalhava com os anteriores, estabelecendo diálogo vivo entre as obras, na esperança de que, da fricção de ideias, por vezes, antagônicas, ele pudesse encontrar sua identidade. Até mesmo em seu período como professor no Collège de France, cargo de altíssimo prestígio, ele subverteu as expectativas, frequentemente utilizando sua posição para criticar o poder institucionalizado, nunca se moldando à fôrma de conduta requisitada e abraçada por seus colegas. Apesar de recusar o conceito populista da luta pela luta, ressaltando sempre a importância fundamental de manter o pensamento lúcido ativo para a prática da emancipação, ele acompanhou os jovens nas manifestações de rua, estabelecendo firme oposição aos mecanismos de dominação da sociedade, reinserindo e revalorizando em seus textos os marginalizados, loucos, detentos e homossexuais.

Nos breves trechos em que são mostrados registros de suas entrevistas, o homem segue sendo uma incógnita, o foco está em suas ideias. As manchetes de sua vida pessoal não importam, qualquer pesquisa rasteira na internet oferece estas respostas, o trunfo do projeto é utilizar seu tempo tentando compreender o que o motivava, a origem psicológica de seu estado latente de insatisfação. O interesse é introduzir a semente em terreno fértil. Quem não conhece o escritor vai terminar o filme querendo ler seus livros.

* O documentário está sendo exibido no Cine Joia (RJ).

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