Foucault Contra Si Mesmo (Foucault Contre Lui-Même – 2014)
“Escrever é transformar, é desprender-se de si mesmo,
dissociar-se de si mesmo. Se eu já soubesse aonde estava indo, não escreveria.
”
Em pouco mais de cinquenta minutos, amparados em entrevistas
com críticos, sociólogos e filósofos contemporâneos, o documentário acertadamente
evita trilhar o caminho convencional didático de projetos similares, quase
sempre dominados pelo distante olhar do outro sobre a matéria. Ao optar pela
condução propositalmente caótica de vozes que, por hábito filosófico, primam
pelo questionamento constante, ao invés de especialistas que se consideram
donos da razão, o espectador é presenteado com um fluxo de ideias que
primordialmente incitam debate.
A estética anticonformista, dividida em quatro capítulos e
um epílogo, tendo como base argumentativa os livros: “História da Loucura na
Idade Clássica”, “As Palavras e as Coisas” e “História da Sexualidade”, além de
ser intelectualmente instigante, também é coerente com o legado do homenageado,
especialmente quando aborda e, de certa forma, celebra suas contradições. Michel
Foucault sempre confrontava o livro em que trabalhava com os anteriores,
estabelecendo diálogo vivo entre as obras, na esperança de que, da fricção de
ideias, por vezes, antagônicas, ele pudesse encontrar sua identidade. Até mesmo
em seu período como professor no Collège de France, cargo de altíssimo
prestígio, ele subverteu as expectativas, frequentemente utilizando sua posição
para criticar o poder institucionalizado, nunca se moldando à fôrma de conduta
requisitada e abraçada por seus colegas. Apesar de recusar o conceito populista
da luta pela luta, ressaltando sempre a importância fundamental de manter o
pensamento lúcido ativo para a prática da emancipação, ele acompanhou os jovens
nas manifestações de rua, estabelecendo firme oposição aos mecanismos de
dominação da sociedade, reinserindo e revalorizando em seus textos os marginalizados,
loucos, detentos e homossexuais.
Nos breves trechos em que são mostrados registros de suas
entrevistas, o homem segue sendo uma incógnita, o foco está em suas ideias. As
manchetes de sua vida pessoal não importam, qualquer pesquisa rasteira na internet
oferece estas respostas, o trunfo do projeto é utilizar seu tempo tentando
compreender o que o motivava, a origem psicológica de seu estado latente de
insatisfação. O interesse é introduzir a semente em terreno fértil. Quem não
conhece o escritor vai terminar o filme querendo ler seus livros.
* O documentário está sendo exibido no Cine Joia (RJ).
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