Quando me perguntam sobre minha paixão por filmes na
infância e adolescência, não consigo evitar lembrar de um caso marcante
envolvendo a franquia “Planeta dos Macacos”. Eu estava na escola ginasial, nos
primeiros anos da televisão a cabo no Brasil. Minha família ainda não havia
feito assinatura, não era algo financeiramente acessível, então aquele mundo
novo era totalmente desconhecido, alguns colegas sortudos na sala de aula
comentavam sobre a programação, um sonho, canais com filmes transmitidos vinte
e quatro horas por dia e sem intervalos comerciais! Eu estava vidrado em
“Planeta dos Macacos”, já tinha visto trechos do primeiro filme, mas, pela
primeira vez, estava realmente estudando o tema como um apaixonado. O primeiro
e o segundo eram fáceis de achar nas locadoras de vídeo, mas eu encontrava
poucas informações sobre as sequências. Sem internet, havia uma névoa espessa
de rumores, lembranças equivocadas, um dono de locadora que visitei no garimpo
chegou a afirmar que havia apenas um terceiro filme, apesar de eu explicar que
havia lido em uma revista Cinemin, matéria de Saulo Adami, os títulos do quarto
e do quinto. A angústia me atormentava, a revisão frequente dos dois primeiros
ajudava a suportar, ao mesmo tempo que aumentava a curiosidade sobre a
continuação da história.
Na escola eu era o esquisito dos filmes antigos, então,
depois de um tempo, ninguém estranhava muito quando me via na hora do recreio
folheando revistas de cinema, ou tentando puxar papo sobre o assunto. Em uma
manhã, enquanto aguardava na sala pela entrada do primeiro professor do dia,
escutei um colega, Marcio, comentando sobre “Planeta dos Macacos”. Eu gelei,
agradecendo aos céus por não ter inventado alguma desculpa para ter ficado em
casa absorvendo meus livros, quadrinhos e filmes, meu real aprendizado útil.
Tomei coragem, venci a introversão que sempre me dominava, entrei furtivamente
no papo. Sem muitos rodeios, com medo de ser interrompido pelo início da aula,
perguntei sobre os misteriosos três filmes que habitavam meus sonhos há meses.
O colega, sem entender a urgência da minha questão, afirmou ser fã da série e,
para meu desespero, revelou ter em casa todos eles gravados em VHS. Eu tenho a
firme crença de que minha pressão baixou, empalideci imediatamente, o tesouro
estava tão perto e, ao mesmo tempo, tão longe. O colega não era muito próximo,
eu não era um aluno popular, como todo nerd, eu passava a maior parte do tempo
livre perambulando sozinho pela escola. A missão: fortalecer a amizade com ele
o mais rápido possível. O obstáculo: o pouco tempo hábil entre uma aula e
outra.
Eu devo ter passado a imagem de um psicopata, tentei resumir
minha paixão pela série em poucos minutos, focando na necessidade que sentia de
ver aqueles três últimos filmes. O colega, provavelmente feliz por ter alguém
com quem conversar sobre o assunto, garantiu que me emprestaria as fitas,
gravadas de exibições na televisão a cabo, para que pudéssemos enriquecer o
papo. Minha vida mudou naquele momento. A felicidade transbordava em meu olhar,
até as matérias mais chatas se tornaram suportáveis, minha mente criava
possibilidades, cenas formadas com base nas poucas informações que o colega me
passou. Ele chegou a avisar que o quarto, “A Conquista do Planeta dos Macacos”,
por algum erro na transmissão do canal, estava dublado e com legendas em
espanhol. Nada me importava, eles poderiam estar dublados em grego! O dia
passou rápido e leve, eu fui dormir feliz, aguardando ansiosamente a manhã
seguinte. E lá estava eu, adentrando firme o salão principal da escola e me
unindo aos colegas na fila para cantar o Hino Nacional com emoção renovada.
Marcio estava atrasado. Entramos na sala, o mundo se movimentava ao meu redor,
mas meus olhos estavam fixados na porta de entrada, aguardando o portador das
fitas sagradas. Horas se passaram, nada, ele não compareceu naquele dia. A
frustração foi forte, mas, com certeza, ele estaria lá na manhã seguinte. Nada
foi fácil na vida deste escriba, eu já estava acostumado a esperar.
A escola passou a simbolizar apenas uma coisa: “Planeta dos
Macacos”. Eu saía de casa todas as manhãs com um único objetivo. No dia
seguinte ele estava lá na fila. Corri até ele, sorriso no rosto, perguntei
sobre as fitas já olhando para a mochila dele. Marcio havia esquecido em casa.
Juro, meus olhos lacrimejaram, a minha vontade era dar meia volta e sair
correndo da escola. Eu teria que suportar cinco horas de tédio com a
consciência de que ainda não veria os filmes, e o pior, com o medo crescente de
que o colega não estava disposto realmente a emprestar as fitas. Tentei evitar
abordar o tema em excesso, com receio de que minha ansiedade colocasse em risco
o empreendimento. Mas perguntei algumas vezes ao longo do dia se ele iria
conseguir levar as fitas na manhã seguinte. “Claro que sim, pode deixar, já vou
chegar em casa e colocar na mochila, para não esquecer”. A esperança subjugou o
medo. Chegando em casa, revi os dois primeiros para me preparar
psicologicamente para a experiência. Bom, resumindo, a semana passou e o
colega, ignorando o peso dramático do seu ato, simplesmente não levou as fitas.
Após alguns dias, eu já nem perguntava mais, as horas voltaram a ser comuns,
copiar textos da lousa, apontar os lápis, desejar a atenção da menina bonita
que sempre me ignorava, a rotina triste e sem brilho.
Não me recordo exatamente quanto tempo demorou, creio que
mais de duas semanas, mas, enfim, quando eu já não tinha mais esperança, o Marcio
veio na minha direção na fila, já abrindo a mochila. Em minha mente, o momento
foi registrado em câmera lenta. Para ele, um dia qualquer, com certeza ele não
fazia noção da importância que seu gesto teve em minha vida. Mas, espere um
pouco, ele tirou apenas uma fita da mochila, estojo simples, com o nome do
filme anotado no adesivo: “A Fuga do Planeta dos Macacos”. “Eu te trago os
outros depois, eles estão na mesma fita, nesta aqui tem o terceiro filme e mais
dois outros”. O filme estava em velocidade EP, o que prejudicava a qualidade de
imagem e possibilitava algo em torno de seis horas de gravação. Ok, o universo
respondia dizendo que a busca não seria fácil, a paciência forja o guerreiro.
Guardei a fita na mochila entre um livro e outro, para evitar que qualquer
abalo pudesse causar danos. Após tanto tempo, poder ver o filme era algo que
causava arrepios, amei cada minuto, chorei no final. Dois dias depois o colega
levava para a escola a segunda fita. Até aprendi espanhol, de tantas vezes que
vi o quarto filme com as legendas na língua, o equívoco da emissora foi
benéfico. Até o quinto filme, obviamente inferior, parecia um épico de
proporções cósmicas aos olhos de quem já havia cansado de imaginar aquele
desfecho.
Quando devolvi as fitas, a sensação era de que havia
amadurecido cinco anos em alguns meses. O conteúdo filosófico alimentou minha
inspiração. E quando percebo que hoje estes filmes estão disponíveis facilmente
em vários formatos, sorrio internamente, não trocaria por nada aquelas mágicas
manhãs de expectativa e sonho, que agora eternizo neste texto.