Corrida Sem Fim (Two-Lane
Blacktop – 1971)
Os personagens Piloto e Mecânico
viajam pelas estradas americanas em um Chevy 55 à procura de competições de
corrida.
Monte Hellman é um dos grandes
diretores da Nova Hollywood, ainda que seja talvez o menos lembrado, uma baita
injustiça. Tive a honra de fazer uma entrevista exclusiva com ele para o blog (link para a entrevista: http://www.devotudoaocinema.com.br/2014/12/entrevista-com-o-diretor-monte-hellman.html). Quando dirigiu “Corrida Sem Fim”, ele já havia lançado aquele que considero sua
obra-prima, o faroeste “Disparo Para Matar” (texto sobre o filme: http://www.devotudoaocinema.com.br/2014/11/chumbo-quente-disparo-para-matar-1966.html),
mas não posso esquecer também pérolas em sua filmografia como “Galo de Briga”
(texto sobre o filme: http://www.devotudoaocinema.com.br/2014/12/galo-de-briga-de-monte-hellman.html)
e “A Vingança de Um Pistoleiro”. Que esse resgate da distribuidora Versátil
motive os brasileiros nessa redescoberta. Quem conhece o estilo do diretor,
incapaz de subestimar o público, não vai se surpreender com a grandiosidade
deste road movie sem início e fim, uma estrutura aparentemente simples protagonizada
por personagens lacônicos, vividos pelos músicos James Taylor e Dennis Wilson, com
motivações enigmáticas, reforçada por uma atuação irrepreensível de Warren
Oates. O silêncio dominante exerce efeito hipnótico, com a estrada simbolizando
a necessidade de se manter a esperança enquanto todos os bloqueios são atirados
em sua direção, o ronco libertário do motor como o grito de resistência do
indivíduo, na busca incessante por um caminho, sem entender a funcionalidade do
destino. Rever esse filme é, acima de tudo, um exercício terapêutico. A vida,
afinal, não passa de um borrão que captamos de olhos marejados pela janela de
um veículo que acelera rumo ao nada. E, mesmo assim, seguimos acelerando apenas
para manter o motor funcionando.
A Outra Face da Violência (Rolling Thunder – 1977)
A Outra Face da Violência (Rolling Thunder – 1977)
De volta do Vietnã como herói, após uma traumática
experiência como prisioneiro de guerra, Charles Rane tenta lidar com problemas
pessoais.
Essa é a melhor introdução para aqueles que querem conhecer
e entender o movimento da Nova Hollywood por essa caixa temática, o filme mais
acessível, dirigido por John Flynn e com roteiro de Paul Schrader, trabalhando
o leitmotiv da vingança com uma pegada brutal. Destaco aqui a atuação minimalista
de Tommy Lee Jones, como o sargento amigo do major, um homem que, após a
experiência da guerra, desaprendeu a viver em sociedade. Seu rosto
inexpressivo, sua postura deslocada em qualquer ambiente, uma composição que já
mostrava o grande ator que o mundo viria a reconhecer no futuro. No desfecho,
quando ele e o major, devidamente uniformizados, partem para a selvageria em um tiroteio praticamente suicida
que nos remete ao clímax de “Butch Cassidy”, o rosto do sargento se ilumina em
um sorriso perturbador, mostrando que ele se sentia confortável apenas na
batalha. O gancho que substitui a mão do major, elemento que inexplicavelmente
não foi trabalhado no marketing da época, insere na trama um traço pulp
empolgante. Há um senso de felicidade no major, quando ele, numa reviravolta do destino, encontra na vingança pelo assassinato da família uma motivação para se libertar das amarras que ainda o prendiam à qualquer ideia de civilização. Mais do que uma busca por justiça, ele vê na caçada um revide pelo orgulho de combatente ferido. A bela jovem que o mima de todas as formas não existe em seu horizonte, ele a suporta com reservas, ele utiliza a moça como ajudante em seu trabalho. O que importa para ele é o cumprimento da missão.
Procura Insaciável (Taking Off – 1971)
Quando descobrem que sua filha adolescente desapareceu,
provavelmente com um grupo de hippies, seus pais partem em sua busca.
É interessante constatar que no mesmo ano foi lançado “There’s
Always Vanilla”, de George Romero, filme quase sempre esquecido, mas que também
defendia um discurso crítico com relação ao movimento hippie. Em “Procura
Insaciável”, podemos ver a frustração do diretor tcheco Milos Forman após
alguns anos pesquisando in loco esse estilo de vida despertado, enquanto revide
lúdico, pela angústia e desesperança dos jovens que acompanhavam pela televisão
a guerra do Vietnã. O que inicialmente seria trabalhado como um retrato fiel
pelo ponto de vista dos hippies acabou se tornando um produto mais maduro,
analisando o sofrimento dos pais que viam seus filhos adolescentes fugirem de
casa, buscando aquela utopia frágil alimentada por canções que celebravam
sonhos e por viagens lisérgicas. O ponto fascinante no roteiro, cristalizado no
excelente desfecho, é evidenciar a impossibilidade de comunicação entre essas
duas gerações, a negação de vencedores no confronto entre a repressão parental
e a ignorância juvenil, uma guerra tão brutal quanto aquela transmitida pela
televisão, onde o que se sacrifica é a confiança. A sequência mais comentada, o
experimento da sociedade dos pais de filhos fugitivos com a maconha, traz
entranhada no inegável humor da execução uma profunda crítica social. A droga
que desnuda os impulsos emocionais dos adultos, tão frágeis e desamparados
quanto os jovens, é tratada na cena como um enigma sedutor a ser estudado,
enquanto os filhos continuam na sombra. A preocupação com o dedo apontado para
a lua, ao invés da análise da própria lua. Não há interesse dos pais em
compreender os anseios dos filhos, apenas o simplismo de reduzir a padrões
banais, com o mínimo de esforço, aqueles jovens que vivem a fase mais
complicada da vida.
Voar é Com os Pássaros (Brewster
McCloud – 1970)
O maior desejo do jovem Brewster
é poder voar. Para isso, constrói enormes asas, mas, quando se prepara para
voar, é surpreendido pela polícia.
Robert Altman não gostou do
roteiro de Doran William Canon, do fraquíssimo “Skidoo Se Faz a Dois”, o pior
filme da fase final do grande diretor Otto Preminger. E, numa mostra de seu
brilhantismo inegável já em início de carreira, ele decidiu desprezar o texto,
criando as falas e muitas das situações, algo que ele também havia feito em
“MASH”, ensaiando as modificações com o elenco no dia das filmagens, nesse que
era sempre citado por ele como o seu projeto favorito. O resultado, ainda que,
por contrato, carregue no crédito o nome de Doran como o único roteirista, não
representa sequer 10% do material original. A trama é puro Altman, corajoso em
seu senso de humor e com um tom diferente de tudo o que se fazia na época. E
você percebe várias referências divertidas ao sucesso do ano anterior, de um
óbvio pôster do filme em cena até uma sutil reação de Sally Kellerman, ao se
banhar numa fonte, muito similar à reação da atriz em uma sequência famosa de
banho em “MASH”, quando ela descobre que está sendo observada por um grupo de
homens. O tema da desconstrução do molde cinematográfico, algo recorrente em
sua filmografia, já se mostra presente no início, com uma correção dos créditos
sendo feita na busca pela subjetiva perfeição da técnica, um esmero exagerado
que intenciona reproduzir cópias em escala industrial. A sua arte não segue
padrões, os personagens do diretor não respeitam qualquer código
predeterminado, a estranheza é uma constante, o vômito da personagem de Shelley
Duvall pode ser sucedido por um beijo apaixonado dela em seu namorado, o que
garante o frescor atemporal de seus filmes. Esse risco necessário no trabalho
de um artista, representado na parábola com traços de Ícaro protagonizada por
Bud Cort, que faria no ano seguinte o adorável “Ensina-me a Viver”, é o leitmotiv
nessa subestimada brincadeira séria do diretor.
O Comboio do Medo (Sorcerer –
1977)
Um grupo de proscritos é forçado
a trabalhar na América do Sul, tendo que conduzir um caminhão de explosivos
numa perigosa missão.
Não gosto de comparar o filme de
William Friedkin com a primeira adaptação do livro de Georges Arnaud, o
impecável “O Salário do Medo”, de Henri-Georges Clouzot, o mestre do suspense
francês, o único cineasta capaz de fazer Hitchcock tremer. Não seria justo, já
que se trata de uma sincera homenagem, prejudicada terrivelmente em seu
lançamento pelo fenômeno “Star Wars”. É muito importante esse resgate que a
Versátil promove, inserindo ele em versão restaurada na caixa da Nova
Hollywood, sendo favorecido pela contextualização histórica, rejeitando a pecha
reducionista de fracasso de bilheteria que sempre acompanhou a obra. Um olhar
mais atento é o suficiente para que se aplauda o preciosismo técnico desse
thriller existencialista, não apenas na sequência da travessia do caminhão pela
ponte, mas também na construção de um clima sufocante que beira o horror, com
os veículos irrompendo na mata noturna como monstros sobrenaturais conduzindo
os homens numa fuga do inferno, uma alegoria sombria do elemento da imprevisibilidade
na vida, o feiticeiro (sorcerer) que rege
os destinos. É possível perceber a influência de Luis Buñuel, especialmente na utilização generosa do realismo mágico no terceiro ato, do livro "Cem Anos de Solidão", de Gabriel García Márquez, e até mesmo do
colega de movimento Monte Hellman, na forma como utiliza o silêncio para potencializar o caos interno dos personagens. O primeiro ato não funciona tão bem no objetivo de criar tensão, mas quando a trama se foca na missão do grupo, liderado por Roy Scheider, estrangeiros numa terra hostil e impiedosa, uma metáfora para a difícil relação entre os diferentes países, fica impossível tirar os olhos da tela.
Essa Pequena é Uma Parada (What’s
Up, Doc? – 1972)
Dois pesquisadores chegam a São
Francisco para um congresso e acabam se envolvendo em muitas trapalhadas.
Peter Bogdanovich é um diretor
que sempre imprimiu em seus filmes sua digital de crítico de cinema, função que
nasceu de sua paixão pela arte e pelos escritos de Truffaut. Após o sucesso do
ótimo “A Última Sessão de Cinema”, ele decidiu homenagear as screwball comedies
clássicas das décadas de trinta e quarenta, especialmente as incursões de
Howard Hawks no gênero, com Ryan O’Neal buscando inspiração para seu personagem
nos trejeitos de um dos grandes da comédia muda: Harold Lloyd. O título
original, referência ao bordão do Pernalonga, evidencia a terceira inspiração
para a trama. Ao reinventar o formato com conhecimento pleno de suas
engrenagens, atualizando apenas o contexto, ousando exatamente por se afastar
da autocelebração exagerada de quem prestou atenção apenas na estética,
equívoco cometido no moderno “Abaixo o Amor”, de 2003, o roteiro de Buck Henry,
Robert Benton e David Newman encantou o público da época. Gosto bastante da
atuação de Barbra Streisand, nesse que considero o seu melhor momento, ainda
que ela sempre afirme que não aprecia o filme, possivelmente porque o diretor
competente foi o primeiro que realmente dirigiu ela em cena e soube domar seu
estrelismo. Em dado momento, O’Neal brinca com sua participação em “Love
Story”, dizendo que a frase famosa do filme (“Amar é nunca ter que pedir
perdão”) era a maior bobagem que já havia escutado. Isso pode ter origem em um
evento ocorrido na fase da pré-produção, quando Bogdanovich estava buscando um
ator para o projeto e foi ver uma sessão do lacrimoso romance, uma experiência
terrível que o fez rir do início ao fim, mas serviu para ele enxergar em
O’Neal, alguém que nunca havia trabalhado em uma comédia, o tipo exato que ele
procurava.
* A caixa "O Cinema da Nova Hollywood", com os seis filmes e ótimos documentários, está sendo lançada em DVD pela distribuidora Versátil, com a curadoria sempre impecável de Fernando Brito.
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