Quando estava na época do ensino primário, torcia pra chegar
logo a hora do recreio, para ler as revistas em quadrinhos que carregava
orgulhosamente na minha mochila. E, ao final de mais um dia de estímulo à
memorização passiva de assuntos que, em grande parte, não me interessavam,
objetivando acertar a quantidade mínima de pontos necessários nas provas para
passar de ano, corria para casa, louco pra continuar meu real estudo, os livros,
gibis e filmes. Aquele material que verdadeiramente definiu meu caráter e me
ensinou de forma divertida tudo aquilo que os professores ditavam
monocordicamente em sala de aula, com um acréscimo que, infelizmente, poucos
profissionais na área pedagógica incitam: a importância da mente aberta, sem
cabrestos. Continuando as sugestões para essa “primeira fase”, de quatro a oito
anos, nada melhor que apresentar a seus filhos os trabalhos deCharles Chaplin,
especialmente os curtas que ele fez pros estúdios Keystone, Essanay e Mutual,
deixe os longas-metragens pra mostrar quando a criança já tiver demonstrado
carinho pelo personagem. Nunca me esqueço do impacto que esses filmes tiveram
em minha infância, quando os conheci através de um programa na TV Cultura, apresentado
por Carlos Heitor Cony. Tudo era fascinante, o preto e branco, a filmagem
acelerada, a própria figura de Carlitos. Sente com seus filhos e explique o
contexto daquelas cenas, a importância histórica do artista.
Com os olhos da criança acostumados ao estilo da comédia
muda, apresente então os trabalhos deStan Laurel e Oliver Hardy,
curtas-metragens como “Um Dia Perfeito”, “O Grande Negócio”, “Liberdade e seus
Perigos” e “Um Fantasma Muito Vivo”. Conte a eles como os dois eram grandes
amigos na vida real, pra que a criança, desde cedo, seja estimulada a discernir
a diferença entre fantasia e realidade. Após a criança demonstrar carinho pela
dupla, apresente então longas-metragens como “Filhos do Deserto”, “Perdão para
Dois” e “Sossega Leão”. Uma boa opção é fazer uma sessão dupla com Harold
Lloyd, evidenciando as semelhanças entre “Liberdade e seus Perigos” e o
longa-metragem “O Homem-Mosca”, o mais famoso de Lloyd. Eu me recordo
vividamente da reação que tive quando o personagem escala aquele prédio. Não
era parecido com nada que eu tivesse visto até então. E, claro, por último,
para que o fascínio da criança não atrapalhe um olhar mais atento, apresente a
genialidade de Buster Keaton, o mestre em realizar o impossível. Sugiro
inicialmente os filmes: “Nossa Hospitalidade”, “Bancando o Águia”, “Marinheiro
de Encomenda” e, por último, “A General”. Se a criança perguntar: “Mas ele
nunca sorri?”, ela está no caminho certo. Com essa base sólida na comédia muda,
os seus filhos pequenos estarão preparados para a imersão plena em projetos
mais ambiciosos no gênero.
No tempo em que a televisão aberta respeitava o público
infantil, eu não perdia uma sessão do “Festival Jerry Lewis”. Ele é a
opção perfeita pra inserir seus filhos no mundo da comédia moderna, com toques
de sentimentalismo que estimulam a empatia, algo que os horrorosos desenhos
animados infantis de hoje desprezam solenemente. Eu cresci numa época em que o
poder da amizade, o “fazer o bem”, a força da união, eram celebrados em filmes,
desenhos-animados e canções infantis. Não entregue aos seus filhos o lixo
imediatista produzido hoje, não subestime as crianças. Ela irá te agradecer no
futuro. Dos filmes protagonizados por Jerry, sugiro, na ordem: “O Professor
Aloprado”, “O Terror das Mulheres”, “Errado pra Cachorro”, “Bagunceiro
Arrumadinho” e “O Meninão”. Cinco produções, cinco tardes numa semana dedicada
ao mestre do humor. Viva com seus filhos esse prazer, converse com eles após
cada sessão sobre os temas dos filmes, pra que aquela magia não se perca até o
final do dia.
Recomendo que você apresente a seu filho, nessa fase
introdutória, o belo “Labirinto”, protagonizado por David Bowie e dirigido por
Jim Henson, criador dos “Muppets”, que, aliás, sugiro que tenha um de seus
filmes, o original de 1979, incluído numa sessão dupla. A criança, já iniciada
no gênero por “Mary Poppins”, não vai estranhar as sequências musicais na
trama. É linda a forma como a mensagem é passada no roteiro, utilizando o mundo
mágico dos bonecos, com toques sutis daquele senso de perigo contido nos
melhores contos de fada, como moldura para uma defesa apaixonada: que o adulto
nunca perca contato com sua criança interna. A linda cena final, no quarto da
bela Jennifer Connely, sempre me emociona. Um detalhe muito importante: NUNCA deboche do seu
filho menino por se emocionar em filmes. Pelo contrário, incentive nele esse
extravasamento emocional. É uma estupidez tremenda, típica do adulto
brasileiro machista, gozar com a cara da criança, afirmar que “homem não
chora”. Se você pensa assim, por gentileza, não tenha filhos, adote uma tora de
madeira e seja feliz. A sociedade atual precisa desesperadamente de pessoas
sensíveis.
Continua...
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