O maior presente que os pais podem dar aos filhos é
incentivar desde muito cedo o amor pela cultura, um tesouro que, especialmente
hoje em dia, não depende de condição financeira, apenas de uma mínima dose de
interesse. O filho pequeno pode aprender sozinho, mas ter o apoio dos pais
facilita o processo, possibilitando o tipo de companheirismo atencioso que, na
sociedade atual, está sendo substituído por tablets e smartphones nas mãos das
crianças, recurso que tenta mascarar a parentalidade irresponsável com o
imediatismo tolo de babás eletrônicas, formando adultos emocionalmente imaturos
que desprezam o passado, analfabetos funcionais com diplomas na parede, porém,
existencialmente frustrados. O usual do adulto brasileiro é incentivar no filho
pequeno o amor pelo time de futebol. Nada contra o esporte, mas caso você
queira que seu filho seja um homem interessante no futuro, com um repertório
mais eclético de assuntos, ao invés de comprar uma cara camiseta oficial do
artilheiro para o menino, utilize o mesmo valor adquirindo pra ele uns vinte
livros. E, melhor ainda, tire pelo menos quarenta minutos de seu dia,
provavelmente metade do tempo que desperdiça no serviço debochando dos colegas
da firma que torcem pelo time adversário, ou jogando conversa fora no WhatsApp,
sentando-se com seu filho e lendo pra ele, explicando o contexto da história,
tornando ainda mais fascinante essa importante experiência literária.
O cinema em casa pode ser um elemento complementar nesse
delicioso aprendizado, nessa aventura que pode ajudar a definir o caráter da
criança. Com o amor pela literatura, a cinefilia ganha ainda mais relevância.
Um assunto normalmente puxa o outro e, mais importante, é enriquecido pelo
outro. Eu costumo receber mensagens de mães carinhosas desejando iniciar os
filhos nessa arte, então, ao invés de sugerir brevemente alguns títulos,
elaborei um passo a passo que pode ser utilizado por todos. O primordial é que
seja estimulado na criança o carinho pelo antigo, o fascínio pelo “como isso
começou” e pelo “como isso se transformou através do tempo”. Sinto nojo quando
vejo um adulto vomitar com repugnância frases como: “Preto e branco não, isso é
tão velho…”, ou o clássico: “Mas esse eu já vi…”. Ensine à criança que o ato de
rever, reler, revisitar arte, mais que algo natural, é uma forma de tornar
ainda melhor aquela experiência. Ensine a criança a não ter preconceito com
qualquer gênero. Tem coisa mais digna de vergonha alheia que um adulto afirmar
que tem medo de ver filme de terror? E esse adulto acaba passando para os
filhos pequenos essa trava emocional. Faça a criança entender que é natural
sentir medo em um filme de terror, que faz parte da diversão, salientando que o
sangue é de mentira, estimulando a admiração pela competência dos realizadores
em operar bem aquele trem fantasma. Dito isso, inicio a proposta de passo a
passo cinematográfico.
É uma espécie de tradição familiar apresentar o cinema para
a criança, por volta dos seis/sete anos, com as animações de Walt Disney. As
meninas normalmente começam com “Branca de Neve e os Sete Anões”, os meninos
começam com “Pinóquio”, ou “Peter Pan”. Eu proponho algo diferente, atraente
para ambos os sexos: “Guerra nas Estrelas”, o clássico de 1977. A fantasia na
medida certa, um universo colorido de múltiplas possibilidades, uma trilha
sonora marcante, valores importantes celebrados, com heróis e vilões bem
definidos. Não conheci ainda uma criança que não tenha ficado apaixonada por
esse despertar sensorial. Ao final da sessão, converse com a criança sobre os temas,
estimule a reflexão sobre aquele mundo novo, ensinando que tudo é uma metáfora
para os conflitos que todos nós compartilhamos diariamente.
Outra sessão com muito potencial é “Ben-Hur”, o clássico
dirigido por William Wyler. Como é um filme longo, facilita a conversa sobre os
temas no intervalo. Tem aventura, perigo, humor e romance, tudo que um bom
conto de fadas oferece. Foi o filme que me despertou o amor pelo cinema, quando
vi pela primeira vez, aos quatro anos. Nunca subestime a criança, entregue
sempre algo que incentive ela a buscar compreender, ao invés do entretenimento
mastigado. Ela pode entender apenas 1% do todo em uma primeira sessão. Mas se
ela for cativada pela emoção do momento (filme + preliminares e pós-sessão),
ela vai querer repetir no dia seguinte. Outra sugestão válida: “Mary Poppins”, a melhor introdução
das crianças ao mundo dos musicais, com uma trama emocionante que aborda temas
como a importância da atenção parental na vida dos filhos pequenos. Como
introdução ao gênero do terror, eu sugiro “Gremlins”, uma trama que, em
essência, fala diretamente à responsabilidade da criança com os bichinhos de
estimação, com a indisciplina do personagem causando todo o problema.
No gênero
da comédia, nada melhor que “Os Caça-Fantasmas”, movimentado o suficiente para
manter a atenção da criança, com personagens carismáticos e um nível de ousadia
que vai sendo captado melhor em revisões. Esses cinco filmes representam o
estágio inicial de apresentação do cinema, a “primeira fase”. Com durações que
variam de 90 minutos até épicas três horas, são sessões que incitam a criança a
testar sua resistência/paciência, fazendo com que ela se acostume a focar na
tela por mais tempo do que um desenho animado comum. Quanto menos imediatista
for o seu filho, melhores serão as chances dele se tornar um bom leitor e um
bom cinéfilo. Ensine pra ele o valor do silêncio, já que todas as questões que
ele tiver, com certeza, serão respondidas no próprio filme. E, caso ele não
pare de falar o tempo todo, ele provavelmente não vai escutar as respostas das
questões. As perguntas frequentes são uma forma de a criança pedir sua atenção.
Mostre que você está vivendo plenamente com ela essa experiência (não atenda
celular, por exemplo), que ela então irá se acalmar e ficará mais atenta à
tela.
Quando seu filho pedir uma revista em quadrinhos na banca de
jornal, não pense muito, compre e entregue sorridente pra ele. O interesse pela
leitura nunca deve ser tolhido. Ele está no caminho certo. Dê o exemplo, leia
com frequência em casa. A criança pequena imita os gestos dos pais. O hábito
deve nascer antes de a paixão ser efetivamente despertada. Da mesma forma que
os problemas de socialização de um cachorro encontram solução rápida na
reeducação dos donos, os problemas de socialização dos filhos pequenos refletem
erros dos pais. Seja violento, que a criança entenderá a violência como forma
cabível de expressão. Seja um leitor, que a criança ficará interessada em
conhecer o mundo fascinante daquelas páginas, antes mesmo de aprender a ler. Dê
atenção ao seu filho, já que você optou conscientemente por inserir ele no
mundo.
Continua...
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