Tubarão (Jaws – 1975)
É desnecessário abordar a importância do filme para a
indústria americana, um sucesso que transformou Steven Spielberg, do dia para a
noite, em um sinônimo de espetáculo lucrativo. Acho encantadora a essência de
filme B que é exalada em cada poro da produção, algo que o diretor buscava
conscientemente, uma coragem revigorante em explorar os medos primitivos do
homem, optando por se amparar generosamente na insinuação, o terror que se
esconde. Ao ignorar boa parte da gordura extra do livro, o roteiro acaba se
transformando no estudo objetivo do conflito eterno contra o desconhecido, o
monstro sem propósito e imprevisível, o tubarão que, assim como a vida, carrega
para a morte os corpos que se debatem alegremente na superfície.
O personagem interpretado por Robert Shaw, como o Ahab de
Melville, vive apenas para encontrar seu nêmesis marítimo, uma criatura de
olhos sem vida, um misto de Moby Dick e do trágico peixe de “O Velho e o Mar”,
de Hemingway. O tubarão é uma máquina assassina natural, diferente do homem, ser
racional, que mata seus iguais por esporte. Esse elemento foi destruído nas
péssimas continuações, que transformaram o animal em uma espécie de Jason
Voorhees, mas, no original, por mais que o número de vítimas aumente
gradativamente, o tubarão está em seu ambiente, que é invadido pelos humanos,
estimulados por um prefeito inconsequente em seu desejo de transformar a
pequena cidade em um ponto turístico interessante. Não é apenas um confronto clássico
do homem contra a natureza, mas, principalmente, um confronto da ganância
humana contra o próprio homem, representado pelo ético policial Brody (Roy
Scheider), e contra a natureza. A caçada é trágica, porém, necessária, como a
extinção dos dinossauros no planeta, analogia sublinhada pela utilização sonora
do rugido de um dinossauro no momento em que a criatura é destruída, exatamente
como ocorre na destruição do caminhão, o monstro de seu filme anterior: “Encurralado”.
E esse conflito só funciona graças a um roteiro que
inteligentemente entrega tridimensionalidade ao personagem vivido por Scheider.
A minha cena favorita é breve, ocorre logo depois que o policial é agredido
pela mãe de uma vítima. Ele estava se sentindo péssimo, psicologicamente
alquebrado, já que se culpava por aquela morte. Quando penso em “Tubarão”,
minha mente me conduz à emocionante interação entre pai e filho, na mesa de
jantar. O menino que imita cada gesto do pai, o seu herói, ignorando os problemas
que ele enfrenta. Brody entra na brincadeira, pedindo um beijo. A criança
pergunta a razão, no que ele responde: “Eu preciso”. A sensibilidade na
condução da cena é uma demonstração da competência de Spielberg.
* O livro de Peter Benchley, que foi adaptado por Spielberg,
está sendo relançado no Brasil, em edição de luxo, pela editora “Darkside Books”.
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