O Amante (L'amant - 1992)
Uma bela adaptação da obra autobiográfica de Marguerite
Duras, dirigida com elegância por Jean-Jacques Annaud, criticada por muitos, na
época da estreia, por suas cenas realistas de sexo. Uma grande bobagem, uma
demonstração de imaturidade que ignorou as várias questões discutidas na trama,
como preconceito social e racial, e, por conseguinte, os malefícios da vergonha
e do sentimento de culpa na relação que se estabelece entre uma adolescente
francesa e um adulto chinês, algo considerado proibido pelas tradições da
sociedade em 1929.
O recurso da narração, que nos apresenta o ponto de vista da
escritora no crepúsculo de sua vida, com o rosto castigado pelo tempo, como a
própria afirma, potencializa o lirismo por trás de cada evento resgatado, sendo
realçado pela fotografia hipnótica de Robert Fraisse. A voz de Jeanne Moreau
transmite, em cada frase enigmática, o ardor da saudade de algo que não se
define, uma sombra à espreita no reflexo de um espelho cujo vidro já se
estilhaçou, um passado que se esvai mais a cada novo despertar. Ela lembra com
humor o chapéu fedora masculino que se recusava a tirar em seus passeios, o
símbolo do receio de aceitar sua feminilidade, as mudanças radicais em seu
corpo, o nascimento de um desejo que ela não compreende, e, por esse motivo,
teme. Aos dezessete anos, ainda tropeçando em seu salto alto, a menina, vivida
pela linda Jane March, sente que está atraindo os olhares masculinos, porém,
ela se surpreende ao perceber que o adulto que a corteja, o chinês vivido por
Tony Leung, treme de nervoso ao oferecer um cigarro, uma tentativa desajeitada
de estabelecer contato. É o primeiro toque sutil que evidencia a fraqueza
mental, moral e física, do personagem, alguém que tem tudo o que o dinheiro
pode comprar, mas, com certeza, daria a vida para escutar uma declaração
sincera de amor.
No carro dele, enquanto sua voz preenche o ambiente com vãs
palavras, a garota se mantém com os braços cruzados, demonstrando sua
insegurança, defendendo-se do desconhecido monstro interno que luta para
desbravar aquele oceano de dúvidas. É então que, aproveitando a conveniência de
um chacoalhar do carro, ao atravessar uma ponte, os dois, num ato consciente,
desprendem-se do medo e deixam as mãos soltas, como que convidando o carinho do
outro. Com todas as cenas de sexo, tão comentadas à época, considero que o
momento mais sensual e provocante ocorre exatamente nessa cena onde ambos estão
vestidos: o toque suave dos dedos mínimos, seguido pela reação nos rostos dos
dois. Você consegue sentir o torpor do desejo sexual brotar nos lânguidos olhos
da menina, ao ter sua mão acariciada gentilmente pelo homem. Ela fecha os
olhos, tentando reter aquela descoberta fascinante.
Na cama do quarto secreto, onde o casal vivencia plenamente
a experiência do prazer longe do controle que a sociedade impõe, ela pede para
que ele a trate como uma mulher qualquer. Sua primeira ação é retirar o chapéu,
símbolo do medo de abraçar sua feminilidade, ela não quer ser tratada como
criança, mas, sim, tocada generosamente, nua, entregando seu mistério, suas
dúvidas, a essência da mulher que ela quer ser. Ele, num súbito acesso de
inteligência emocional, sinaliza o erro da ação, a grande diferença de idade. A
menina então toma o controle, assume a responsabilidade, percebendo que tem
mais a ensinar do que a aprender, direcionando a mão trêmula dele ao seu sexo.
O adulto se torna a criança, amedrontado e inseguro. Após a relação, ele busca
escutar uma declaração de amor. Ela está mais interessada nas plantas mortas do
quarto. Marguerite Duras tinha, por hábito, conservar flores mortas em vasilhas
por toda a sua casa, como forma de se manter consciente da inescapável mortalidade.
Esse leitmotiv visual se repete em momentos chave, contendo um significado
profundo. Ela, nua, após o sexo selvagem no chão do quarto, decide regar as
plantas. Após o casamento dele com uma chinesa, respeitando a tradição, a
menina retorna ao local, vazio, e, mesmo sabendo que o calor dos seus corpos
não irá mais perturbar o silêncio do local, ela decide regar as plantas. Qual a
razão de regar uma última vez, sabendo que o quarto ficará abandonado e que as
plantas irão morrer?
A resposta é dada na cena final, que mostra a escritora, já
bem mais velha, informando que o homem, mesmo depois de vários anos, tendo
experimentado relações com outras mulheres, já com filhos, ligou para ela
apenas para dizer que ainda a amava, e que iria amar pelo resto de sua vida. A
mulher sabe que, apesar da fragilidade do corpo e da inexorabilidade do tempo,
as plantas devem ser regadas, a esperança deve ser mantida. O próprio ato da
revelação literária dessa relação antiga, uma prova incontestável de que, assim
como ele, a mulher continua sentindo o arrepio na pele, causado por aqueles
estímulos compartilhados naquele passeio de carro, uma manhã que luta para
manter na lembrança. Uma chama interna que necessita ser regada continuamente,
a declaração de amor que o homem sonhava escutar e, que, provavelmente, morreu
acreditando que não merecia receber.
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