Estamos Todos Bem (Stanno Tutti Bene - 1990)
Esse lindo filme, delicado e sensível como poucos, acabou
ficando eclipsado pelo sucesso mundial de “Cinema Paradiso”, projeto anterior
do diretor Giuseppe Tornatore. Existe uma fraca refilmagem americana, com
Robert De Niro, de 2009, intitulada “Estão Todos Bem”. A trama acompanha a
viagem de Matteo, vivido por Marcello Mastroianni, que, aos setenta e quatro
anos e viúvo, busca visitar seus amados cinco filhos, já que eles sempre
inventam desculpas para não irem ao encontro dele. Tudo o que ele desejava era
ter a companhia deles na mesa de jantar, perceber que eles se interessam por
suas divagações. A carência dele se mostra na forma como ele sempre pede, até
para estranhos, que perguntem algo, que demonstrem curiosidade sobre eventos
que ele havia acabado de insinuar. É um recurso que funciona como alívio
cômico, mas, em sua essência, encerra um simbolismo mais profundo.
A saudade do homem é transmitida com uma beleza que nos
impele a retroceder a cena e rever com mais atenção, como no reencontro dele
com sua filha, onde, sem cortes, num truque simples, a câmera rejuvenesce a
mulher, que corre até o pai, porém, quando chega ao final de uma escadaria,
quem sorri para ele é sua contraparte infantil. É um leitmotiv visual que se
repete várias vezes, evidenciando que, aos olhos dele, seus filhos sempre serão
aquelas crianças inseguras que, outrora, estendiam ternamente suas mãozinhas
antes de atravessarem a rua. Seus óculos, lentes fundo de garrafa, deixam seus
olhos enormes, simbolizando a sua visão distorcida de sua própria realidade, o
seu abraço apertado consciente na ilusão. Ele quer acreditar que seus filhos
estão vivendo confortavelmente, tendo realizado seus sonhos pessoais e
profissionais.
“Não eduque seu filho para ser alguém, mas, sim, ensine-o a
ser como uma pessoa qualquer”.
Em uma poética cena na praia, que nos remete aos melhores
trabalhos de Fellini, Tornatore faz com que o homem, em seu passado, veja seus
filhos sendo levados por um grande balão negro. O maior medo dele era perder
sua família, algo que foi intensificado após o falecimento da esposa. O diretor
flerta até com o surrealismo de Buñuel, mostrando um engarrafamento no
trânsito, causado por um imponente alce que se mantém no centro da rua, sendo
admirado por todos os motoristas. Com um filtro azulado, a fotografia de Blasco
Giurato ajuda a transmitir a solidão do pai em algumas cenas específicas, como
no desabafo dele no salão de dança. Sua parceira, uma mulher que ele havia
acabado de conhecer, afirma com tristeza que foi colocada em um asilo por seus
filhos. O olhar dela reflete sua resignação, sentimento que tenta, sem sucesso,
legar ao novo amigo. Ele é muito orgulhoso para aceitar a dissolução de sua
família, sua mão ainda sente o toque carinhoso de sua esposa, como o roteiro
nos mostra na breve e emocionante cena no quarto de hotel.
No desfecho ficamos entendendo a razão do afastamento dos
filhos, algo que não irei revelar no texto, para não estragar a experiência. É
um filme que merece ser visto e revisto por toda a vida. Uma mensagem simples e
poderosa, emoldurada pela linda trilha sonora de Ennio Morricone, que pode ser
resumida na piada que o pai conta em vários momentos: “O vinho também se faz
com uvas”, ressaltando o óbvio: você pode se esforçar o máximo possível na
criação de seus filhos, com plena dedicação e amor, que, a despeito de suas
melhores intenções, não há maneira de se prever o futuro, não há fórmula
mágica, não há segredo. Viver é a maior aventura, uma jornada de surpresas em
direção ao desconhecido.
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