Com temor, assisti notícias sobre os "Gladiadores do
Altar", mais um fruto nefasto do fundamentalismo religioso, essa praga que
assola o Brasil. Impossível não estabelecer comparações com o ótimo filme
"A Onda" (Die Welle, de 2008). Enquanto aumenta a porcentagem de
ateus e questionadores nas nações mais evoluídas, por aqui o povo se agarra cada vez mais em
muletas teológicas, como a bancada evangélica no Congresso. Até que ponto a
religiosidade deve se intrometer na política? Em qual momento foi permitido que
a fé, usualmente removedora de montanhas, iniciasse sua remoção de homens e
ideias? Homens como o italiano Giordano Bruno, que foi retratado no cinema de
maneira excepcional na obra dirigida por Giuliano Montaldo em 1973. Giordano
foi um filósofo, além de astrônomo e matemático, do século dezesseis, expulso
da Ordem dos Dominicanos por suas ideias e seus questionamentos acerca de um
universo ilimitado, povoado por uma infinidade de estrelas e planetas com
possibilidade de vida inteligente. Este precursor da ciência moderna foi
processado pela inquisição e recusando qualquer retratação, foi condenado à
morte na fogueira. Até mesmo em seus últimos momentos tentaram calá-lo, tendo
sido morto com uma mordaça e pregos em sua língua, que simbolicamente o
impediriam de propagar sua ideologia após sua morte. Notando o mundo atual e
vendo a importância que ainda é dada aos preceitos do Vaticano, à opinião do
Papa sobre qualquer tema, parece que seus antepassados conseguiram realizar o
feito.
Com uma atuação soberba de Gian Maria Volonté no papel
principal e de Charlotte Rampling como Fosca, além de uma fotografia estupenda
de Vittorio Storaro e uma linda trilha sonora do genial Ennio Morricone, o
filme merece um reconhecimento maior, pois se torna a cada dia que passa mais
atual e importante. O diretor não cria uma obra panfletária, ele disserta sobre
o homem e suas ações, sabendo ver em cada personagem suas verdades e crenças.
Não acusa, simplesmente mostra os fatos e deixa nas mãos do público o julgamento.
Imenso foi o preço que Giordano pagou por questionar os dogmas religiosos,
tendo como meta apenas a evolução do conhecimento humano. Conhecimento esse
que, mesmo séculos depois, ainda se defronta com os mesmos dogmas, com a
fogueira primitiva sendo substituída pelo poder de manipulação social.
Manipulação de políticos, pois nenhum tem coragem de falar contra a igreja por
medo de não se elegerem, assim como a imposição de seus conceitos sobre
assuntos que nunca dominaram, como a ciência. Ao assistirmos o filme,
constatamos as razões que o tornam tão pouco conhecido e difundido, ele
consegue fazer algo que as religiões nunca souberam: mostrar suas ideias
eficientemente e sem necessidade de apelar para violência, ou imposição pelo
medo, contra outras crenças ou contra aqueles que as questionam. Essa obra é
uma poderosa arma que os religiosos querem manter bem distante de seus fiéis,
pois o conhecimento, que tanto Giordano Bruno lutou para divulgar, foge
completamente aos anseios dos líderes religiosos, ontem, hoje e sempre.
Por muito tempo, acreditei que silenciar, no tocante a esse assunto, era uma
forma de respeito, mas calar é o pior crime que pode ser cometido. Descartes,
Nietzsche, Onfray, Bakunin, Stephen Hawking, Carl Sagan, de quem roubei o título
do texto, e praticamente todos os grandes pensadores que atravessaram a breve
experiência da vida na Terra, já apontaram os malefícios que as crenças em
lendas causam ao desenvolvimento intelectual do cidadão. Mitos e superstições
escravizam os seres humanos, limitando-os intelectual e criativamente.
Amedronte uma pessoa e você a terá na palma de sua mão, fazendo tudo o que você
disser que irá ser para o seu bem, inclusive financeiramente, sendo capaz de
vender os rins por um espaço garantido no céu. Liberte-a dos medos, que nenhuma
força no mundo irá mantê-la sob seu jugo. A exploração do sobrenatural é fonte
de renda de muitos, ainda mais nos locais onde o analfabetismo científico reina
supremo. O brasileiro, povo extremamente carente em educação, saúde e
segurança, acredita em tudo que é impossível, mas sempre duvida do óbvio.
Viver
em um mundo alternativo de ilusão, composto por truques, efeitos
psicossomáticos e histeria coletiva, pode trazer paz temporária, mas não é a
melhor solução. E, complementando, uma ótima citação do físico Steven Weinberg:
"Com ou sem religião, pessoas boas farão coisas boas e pessoas más farão
coisas más. Porém para pessoas boas fazerem coisas más, é preciso
religião". O sofrimento é uma das coisas mais naturais na vida de todos
nós. Aprender a lidar com ele é uma das coisas que nos diferencia dos animais
irracionais. A recente animação da Pixar: "Divertida Mente" trabalha muito bem esse tema. Ninguém é imune ao sofrimento. As crenças concedem aos que
sofrem uma paz temporária. E por esse respiro breve, puramente ilusório,
gerações de mal-intencionados incitam pessoas bem-intencionadas a se mutilarem,
atearem fogo em florestas, acidentalmente, devido ao uso de velas em despachos,
despejarem cacos de vidro, garrafas quebradas em rituais, em locais que
oferecem grave risco aos transeuntes, sacrificam animais indefesos e até bebês,
entre outros absurdos. Caso testemunhe despachos com velas acesas em locais com
risco de incêndio, não pense duas vezes, apague-as. Temos que honrar o
"sapiens", que sucede o "homo". Não tenho religião alguma,
sou um respeitoso questionador em eterna busca pelo aprimoramento. O Brasil
necessita, mais do que nunca, de nossa lucidez.
Boa reflexão!
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