Fernão Capelo Gaivota (Jonathan Livingston Seagull - 1973)
O crítico norte-americano Roger Ebert divulgava orgulhoso em
seu texto que havia abandonado a sessão aos quarenta minutos de filme, ele
odiou a experiência. Mais do que contar pontos contra a obra, creio que essa
análise dele fale mais contra seu profissionalismo, já que não é ético avaliar
algo visto pela metade. Também não é inteligente apresentar esse filme para uma
turma de adolescentes nas primeiras horas da manhã como dever escolar, algo que
era bastante comum nas décadas de oitenta e noventa. “Fernão Capelo Gaivota” é
um evento único na história do cinema, desafia qualquer tentativa de reduzi-lo
a um gênero específico. A fotografia premiada de Jack Couffer e a trilha sonora
de Neil Diamond costumam ser os únicos elementos unânimes ressaltados positivamente
pelos detratores, mas é injusto avaliar de forma tão preguiçosa o trabalho
corajoso do diretor Hall Bartlett.
Ele já havia roteirizado/dirigido diversas produções, como
“Zero Hour!” e “The Caretakers”, mas estava tremendamente desanimado com os resultados
deles nas bilheterias, a sua confiança profissional havia sido abalada. Tudo
mudou quando sua esposa o presenteou com o livro “Fernão Capelo Gaivota”, de
Richard Bach. Ao terminar de ler, sem pensar duas vezes, ele decidiu que aquele
era o projeto que ele havia nascido para realizar. Consciente de que a proposta
não era popular para os dignitários dos estúdios, uma trama protagonizada
apenas por gaivotas, marcada por longos momentos contemplativos, ele vendeu
quase tudo o que tinha para que aquele sonho se realizasse. E a crítica da
época, usualmente afeita a aplaudir os experimentos umbilicais europeus, sequer
se interessou em dar uma chance para aquela linguagem nova intensamente
surrealista, muito à frente de seu tempo. Hoje em dia, uma bobagem pretensiosa
como “A Árvore da Vida”, de Terrence Malick, faz críticos enxergarem a roupa
espalhafatosa no rei que está nu, a tendência é elogiar tudo aquilo que se
mostra complicado, o discurso excessivamente prolixo que esconde uma
compreensão rasa, o aval que busca a aceitação intelectual de seus pares, tão
inseguros quanto, deixando morrer à míngua os filmes que não são revestidos
pelo verniz arrogante de “arte”.
A parábola proposta por “Fernão Capelo Gaivota” é simples e
de apelo universal, a mensagem é transmitida de maneira ainda mais simples, com
delicadeza e um apreço admirável pelo silêncio. A gaivota antropomórfica, voz
de James Franciscus, inicia com o natural senso de desafio da juventude,
acreditando que a sua existência não pode se limitar a uma luta diária por
caçar comida no lixo com seu bando. Ela quer voar mais alto e mais rápido que
seus pares, quer atravessar o céu noturno como as corujas, quer conhecer
terrenos diferentes, em suma, não aceita se restringir por dogmas defendidos
pelos anciãos. A gaivota então é banida do grupo, ela é a prova viva de que
existe opção para uma existência conformista, ela passa a ser a voz de um novo
caminho, uma figura messiânica. E, como sempre, vozes dissonantes que libertem
o povo da escravidão de pensamento precisam ser caladas. O progresso só pode
ser atingido ao se vencer o medo de se correr riscos, não há evolução sem
mudanças. Por mais triste que seja a sequência que mostra o primeiro voo
solitário da gaivota, já banida, ao som da bela “Lonely Looking Sky”, é
possível enxergar a beleza da vitória pessoal de alguém que encara o abismo
desconhecido e segue em frente.
O objetivo do terceiro ato, focado em uma
jornada mística com contornos budistas, é evidenciar que a razão da luta não é
apenas superar obstáculos, mas também servir de exemplo para que outros se
inspirem a tomar a mesma atitude. O aprendizado que não é compartilhado não tem
relevância alguma, a vida só se torna importante quando o indivíduo constata
que a imortalidade tangível reside na formação de um legado valoroso.
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