Close-Up (Nema-ye Nazdik - 1990)
Ao escrever sobre o falecimento de Abbas Kiarostami (leia aqui), revelei
que o único filme dele que realmente me marcou positivamente foi “Close-Up”. Eu
consigo pinçar cenas brilhantes em toda sua filmografia, mas essa foi a única
experiência plenamente satisfatória que tive com sua obra. Ele conseguiu
extrair grandes reflexões, fazendo com que a espinhosa dificuldade conceitual
desse docudrama parecesse simples. O argumento nasceu após a leitura de uma
matéria sobre Hossain Sabzian, um fã de cinema sem histórico criminal que se
fez passar pelo famoso cineasta Mohsen Makhmalbaf, cujo trabalho ele admirava.
A família que o entregou à polícia temia que ele tivesse intenção de praticar
alguma maldade, mas a razão para sua atitude era passional, o homem simplório e
usualmente desprezado desejava ser tratado de forma especial. Ele busca na
vivência da rotina de outrem a inspiração para elevar o nível de sua própria
existência. Kiarostami então convida todos os envolvidos nessa manchete
jornalística, inclusive o próprio impostor, para reencenar o ocorrido.
O drama real de Hossain havia sido transformado em
espetáculo para vender jornais, “Close-Up” redime sua imagem ao tornar seu
sonho uma realidade, exatamente ao transformar realidade em ficção,
objetivando, toque genial, conhecer a verdadeira identidade do preso e a origem
de suas motivações, algo que um documentário convencional não conseguiria,
provavelmente encontraria resistência no próprio observado, ou como o próprio
diretor afirma: “Em alguns casos, para ater-se à verdade é necessário trair a realidade”.
O primeiro encontro de Kiarostami com Hossain na delegacia para abordar a ideia
do projeto, filmado à distância como se fosse um documentário investigativo, não
passa de uma óbvia recriação ficcional. Até mesmo a longa sequência de
julgamento no tribunal soa irreal, já que o diretor faz questão de se mostrar
bastante intrusivo, questionando o réu diante do juiz, manipulando
emocionalmente a cena com a edição e a montagem. O homem que usou por tanto
tempo a ilusão como escapista forma de expressão agora fala com plena consciência
da presença da câmera. Grande parte do que é visto nessa sequência foi filmado
horas depois do término do julgamento, sem a presença do juiz, com Hossain
abordando diretamente sua identificação com o cinema, mostrando sua
consideração por “O Viajante”, de Kiarostami, revelando que se sente como a
criança da trama, que finge tirar fotos com uma câmera sem filme, tentando
juntar dinheiro para ver um jogo de futebol. O sono a impede de realizar seu
objetivo, o cansaço natural causado pelo esforço de manter a mentira. E Hossain
desabafa afirmando que sente que também perdeu o jogo.
O terceiro ato promove o belo encontro entre a realidade e a
ilusão, o impostor passeia na garupa da moto de Mohsen em uma jornada rumo ao
perdão da família que o desmascarou. O caso real que conquistou a simpatia de
Kiarostami teve um final poético: Hossain se tornou um personagem e teve sua
imagem eternizada, os membros da família enganada, que buscavam no impostor uma
ponte para o estrelato, engoliram a vergonha do ocorrido e conseguiram
participar do projeto de um diretor renomado, um filme de verdade, enfim, o
cinema, indústria de sonhos, proporcionou a redenção de todos.
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