Grey Gardens (1975)
Em 1973, um escândalo ocupou as manchetes dos jornais americanos.
Autoridades locais tentaram expulsar mãe e filha de uma mansão decadente no
balneário de luxo de East Hampton, alegando falta de condições sanitárias. Uma
notícia banal, não fossem elas as ex-socialites Edith Bouvier Beale e sua filha
Edie, respectivamente tia e prima de Jacqueline Kennedy Onassis.
Um dos documentários mais fascinantes da história do cinema,
“Grey Gardens” felizmente está sendo resgatado em DVD no mercado de home vídeo nacional.
Conheci o filme na minha época de garimpo adolescente numa cópia em VHS pirateada
de uma versão importada, com péssima qualidade de imagem, já que a obra nunca
havia sido lançada oficialmente por aqui. Não fiquei muito impressionado
outrora, a expectativa trabalhou contra, eu entendia a grandeza em sua
abordagem, mas acho que não tinha maturidade pra compreender as camadas de interpretação.
Revendo hoje, não consigo descrever a sensação quase hipnótica que me conduziu
até os créditos finais, tampouco sou capaz de tirar da minha mente a figura de “Little
Edie” Beale, com seu belo rosto emoldurado pelo véu, um estilo de vestuário maravilhosamente
exótico, dançando pela decrépita mansão, entre guaxinins, gatos e lixo acumulado.
Sem reforçar no melodrama, sem estabelecer julgamento no que
mostra ou tentar orquestrar a emoção, apenas registrando o cotidiano de mãe e
filha, a câmera dos diretores Albert Maysles, David Maysles, Ellen Hovde e
Muffie Meyer, consegue captar todo o espectro psicológico das mulheres,
simbolizado na decadência do local, paredes que são gradativamente destruídas, uma
tela pintada eternizando a juventude luxuosa da mãe servindo como esconderijo tranquilo
para um gato urinar. A mulher mais velha, sem pudores, com sérios problemas de
locomoção, parece rejuvenescer décadas ao se escutar cantando na vitrola “Tea
for Two”, exercitando a grande paixão de sua vida, acompanhando a canção com
gestos de menina sonhadora, orgulhosa de ter mantido sua voz treinada, enquanto
ajeita como moleca o chapéu na cabeça e, pouco depois, sensualmente penteia os
cabelos brancos. A filha, amargurada pelas muitas oportunidades, profissionais
e românticas, perdidas ao longo de sua juventude por ter optado ficar cuidando
da mãe, protagoniza os momentos mais interessantes do filme. Ela flerta ingenuamente
com o operador da câmera, desabafa frequentemente sobre seu desejo de sair
daquele lugar, mas também parece encontrar a pura felicidade ao se expressar
por meio da música, treinando suas coreografias encantadoras para uma plateia
ilusória. “Little Edie” ama a mãe, mas sabe que o egoísmo dela em uma relação
destrutiva a privou de todos os passos que tentou dar na sua jornada,
aprisionando seu espírito radiante em um mausoléu de lembranças profundamente tristes,
um altar vivo de um passado glorioso que sumiu em longa agonia. As muitas
discussões parecem reverberar na sujeira dos móveis, no resto de comida no
chão, nos cantos escuros, como lamentos repetitivos de fantasmas em vida que
assombram seus próprios destinos.
“Grey Gardens” me remete à Norma Desmond de “Crepúsculo dos
Deuses” e acho que faz uma excelente sessão dupla temática com “Sonata de Outono”, de
Ingmar Bergman.
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