O Professor Aloprado (The Nutty Professor – 1963)
Uma das primeiras fitas VHS que ganhei de presente foi a de “O
Professor Aloprado”, a garantia de uma tarde feliz em família. E o filme pela
primeira vez me tocava de uma maneira especial, já que eu vivia então o período
do bullying na escola, o auge da introversão consequente da brutal perda de autoestima.
Aquele monólogo do desfecho, onde o protagonista abre seu coração sobre o
desejo de ser extrovertido e os malefícios de se tentar ser outra pessoa, surtia
o efeito de uma marreta na alma, eu me emocionava sobremaneira. Quando Buddy
Love se dissolve deixando à mostra a fragilidade do professor Julius Kelp, ele quebra
a quarta parede sutilmente, ao dizer: “Você precisa gostar de si mesmo, pense
no tempo em que terá que passar com você mesmo”. Eu não tinha dúvida, ele se
dirigia a mim. Na fábula cômica de Lewis, a figura esquisita de Kelp, uma óbvia
caricatura, representa a forma distorcida como o personagem se enxerga no
espelho, não há poção mágica, Love sempre existiu e, como a engraçada cena
final salienta, com a bela Stella Stevens guardando um pouco da poção, não deve
nunca ser obliterado, já que exerce função importante na personalidade do
indivíduo. A autoconfiança precisa complementar a humildade, um elemento não
vive bem sem o outro. Essa resolução emocionalmente madura é o que engrandece o
filme, que poderia ser apenas uma farsa tola, uma das várias releituras de “O
Médico e o Monstro” que a indústria já criou.
A direção de Lewis, que já em seu quarto projeto demonstrava
plena segurança, estabelece a persona de Love como uma dura autocrítica, apesar
de muitos críticos encontrarem semelhanças com seu antigo parceiro Dean Martin.
Ele viria a retrabalhar essa autocrítica em “O Rei da Comédia”, uma pérola
subestimada de Scorsese. Essa facilidade em expor suas vísceras artísticas para
a apreciação do público, essa propensão ao desconforto, indo contra as
características essenciais de grande parte dos comediantes, faz com que seus
personagens choquem pela crueza realista de suas atitudes, ainda que burlescos e
histéricos na abordagem. O cenário pode parecer antirrealista, mas os conflitos
são até simplórios em natureza. A tolice excessiva, algo que os depreciadores
do cineasta defendem como um problema, não poderia ser uma aproximação mais
exata da realidade humana. E talvez essa seja a razão, ao retratar de forma tão
honesta a corrente de absurdos que o ser humano pratica, porém, sem se levar a
sério, Lewis expõe um reflexo desorientador da sociedade. Tome como exemplo a
cena brilhante em que Love induz o personagem de Del Moore, o reitor da
faculdade, a recitar Shakespeare em cima da mesa do seu escritório, de cueca,
ignorando o ridículo da situação, motivado pela adulação daquele estranho. É o
retrato honesto e patético de como a necessidade de aceitação pode conduzir
alguém, que se considera superior, a agir de forma antagônica às suas próprias
convicções. Em uma das cenas mais famosas, Kelp se deixa levar pela música
contagiante, atitude natural, enquanto seus colegas reprovam sua atitude. O
riso pode ser imediatista, causado pela dança, mas a reflexão permanece anos
depois da sessão.
As gags são fascinantes, eficientes em seu timing perfeito,
mas o que me emociona até hoje passa abaixo do radar do humor. E essa
sensibilidade coloca Jerry Lewis, o roteirista e diretor, no mesmo patamar de
outros gênios do cinema. Eu continuo aprendendo com ele, desde o tempo de
adolescente, em que tirei “We’ve Got a World That Swings” no violão, apenas
para cantar com direito a todos os trejeitos de Love. Mas, internamente, ainda
sou Kelp. O importante é que aprendi a equilibrar os dois impulsos.
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