El Cid (1961)
A trajetória de Rodrigo Diaz de Bivar, mais conhecido como
El Cid, herói espanhol do século XI que uniu os católicos e os mouros do seu
país para lutar contra um inimigo comum: o emir Ben Yussuf (Herbert Lom).
O Brasil vive um momento político complicado, com uma
parcela expressiva, ainda que minoritária, de seu povo praticando a duvidosa arte
da dissonância cognitiva, por pura ingenuidade
ou inescrupulosa esperteza. Os mais lúcidos, enxergando que não há heróis íntegros
a serem defendidos nessa guerra suja, em nenhum dos lados, buscam uma réstia de
ética que traga alguma esperança. Como terapia desintoxicante intensiva, eu escolhi
rever um dos épicos mais bonitos da história do cinema, dirigido pelo mestre
Anthony Mann, protagonizado por Charlton Heston e Sophia Loren, o emocionante “El
Cid”, a saga de um homem digno, honrado e corajoso, valores essenciais que
precisam ser resgatados por boa parte do povo brasileiro. Ao final da sessão,
lágrimas no rosto e a gratidão de, por três preciosas horas, ter
sido conduzido a uma elegante e bela realidade preenchida pela nobreza de
caráter do protagonista, defendendo diálogos ricos em simbologia, envoltos por
uma trilha sonora encantadora de Miklós Rózsa. Um contexto bem diferente de
quando conheci o filme, ainda na época do VHS duplo, com uma péssima qualidade
de imagem.
Quando o produtor Samuel Bronston comprou os direitos que
estavam com o diretor espanhol Rafael Gil, ele intensificou os elementos de
romance e aventura, desprezando a abordagem mais fria do roteiro original, escalando
Heston como garantia de empatia com o público, logo após o sucesso arrebatador
de “Ben-Hur”. Mann chegou a cogitar colocar a esposa Sara Montiel no papel de
Ximena, mas acabou aceitando a sugestão de Bronston, escalando Loren. O vilão
mais óbvio, vivido por Herbert Lom, é unidimensional como um capanga da
franquia 007, talvez o único ponto realmente negativo. Mas, analisando com mais
cuidado, o real antagonista é plenamente desenvolvido, o rei Alfonso, cujo arco
narrativo o conduz de uma gênese como um fraco submisso, passando pela omissão
no planejamento do assassinato do irmão, até uma ordem injusta e cruel de
exílio, culminando no reconhecimento do erro e a redenção com bravura no campo
de batalha. Com tantos personagens bem desenvolvidos, dá pra perdoar a
caricatura que é Yussuf. O mais bonito nessa jornada de Alfonso é que ele é
levado a se tornar um indivíduo melhor por assimilação. Ele faz questão de
causar todo tipo de problema para El Cid, ele despeja nele todo o seu ódio, mas
recebe de volta apenas gestos de honradez. Ele avança com a espada, na
expectativa de que o seu oponente se defenda, ou contra-ataque, os impulsos
esperados por quem vive pela lei da guerra, mas o oponente vira as costas,
conquista um reino e, sabendo que poderia tomar o trono para si próprio, prefere
seguir o que é correto, entregando a coroa a quem fez de tudo pra tornar sua vida
uma experiência miserável. Alfonso é amaldiçoado por sua própria consciência.
Ele então aprende com o caráter do herói o caminho da dignidade.
Como esquecer o desfecho? A força simbólica do herói morto,
em seu cavalo, guiando seus homens e, mais importante, amedrontando os
inimigos. A escolha da fotografia nesse momento em posicionar El Cid, quando
visto pela primeira vez por seus inimigos, emoldurado por um clarão da luz do
sol, sem dúvida, uma das cenas mais bonitas no gênero, marca a transformação do
homem em lenda. Os mais jovens podem perceber nessa longa sequência, que vai da
preparação dos exércitos até o fim do conflito, as referências visuais para batalhas
similares em várias produções modernas, como “O Senhor dos Anéis” e “300”. É
uma pena que as novas gerações não valorizem esse épico como ele merece. Que
pena que o filme acabou e preciso encarar a realidade nojenta dos políticos
desse país.
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