A Bruxa (The Witch: A New-England Folktale – 2015)
O horror é meu gênero de formação, então fico muito feliz
quando encontro um projeto novo genuinamente bom, um produto que esteja
conectado à época em que esses filmes eram pensados por e para adultos, com
maior interesse na construção de clima, ao invés da sucessão de sustos
previsíveis que o público adolescente está acostumado a encontrar hoje nas
salas. Exatamente por isso, ver “A Bruxa” no cinema pode ser uma experiência
frustrante. Você vai constatar o nível de emburrecimento em que se encontra
grande parte do público, não apenas os jovens.
O ritmo inteligentemente lento da trama, algo que não
incomodava os espectadores de “O Bebê de Rosemary” na década de sessenta, provocou
uma reação curiosa nas pessoas próximas, uma espécie de angústia envolta por
risadas nervosas involuntárias. A mente, tão acostumada e programada para
reagir aos impulsos imediatistas tolos dos jump scares, não consegue aceitar
que está diante de um roteiro que está impondo suas próprias regras sensoriais.
Analisando bem, o recurso do susto é o artifício menos inteligente, o bom
horror aposta no poder da sugestão. O público quer respostas fáceis, algo que o
diretor Robert Eggers não está interessado em oferecer. Então, por mais
esquisito que seja esse meu conselho, caso você aprecie o gênero e queira
garantir uma boa experiência, não veja no cinema, espere o DVD. Aliás, ir ao
cinema está cada vez mais insuportável, devido à acachapante falta de educação
do povo brasileiro. Não é de se espantar que, antes do início do filme, seja necessário
exibir um longo vídeo animado e infantilizado ensinando bons modos aos adultos.
E, ainda assim, o brasileiro comete todos os erros apontados, como celulares
acesos atrapalhando a imersão alheia. Triste e vergonhosa realidade.
Em alguns momentos, o tom me remeteu ao recente “Somos O Que
Somos”, excelente terror que poucos conhecem. Uma atordoante sensação constante
de maldade, contrastando com a beleza da fotografia de Jarin Blaschke, com a preferência
pela luz natural potencializando a melancolia do cenário em que habita a
família camponesa na Nova Inglaterra de 1630. Os eventos foram baseados em
relatos orais e escritos da época em que começaram a ter casos de histeria
coletiva, fundamentada em superstições, sessenta anos antes do julgamento das
bruxas de Salem. Sem revelar muito, acho importante salientar uma camada de
interpretação que ganha pontos em revisão. A intensa religiosidade da família
codifica todos os estranhos acontecimentos, o desespero diante do desconhecido
faz com que eles ativem a suscetibilidade humana ao apedrejamento, alimentado
pela culpa cristã e a consequencial punição, um fanatismo que nubla até mesmo
os elos de amor familiar, cegando qualquer senso de lucidez, assim como nas
perseguições dos inquisidores históricos. A utilização da cabra, símbolo pagão,
reforça esse conceito. Conhecemos mais sobre os personagens através de suas
atitudes quando confrontados por esses medos. Todo o elenco esbanja
competência, mas Anya Taylor-Joy, que vive a filha mais velha, merece destaque
pela forma como consegue transmitir a pureza infantil sendo consumida
progressivamente pela insegurança natural no processo de amadurecimento. Esse
viés me remeteu ao ótimo “A Companhia dos Lobos”, de Neil Jordan, que recomendo
para uma sessão dupla.
Com, no mínimo, um par de cenas visualmente inesquecíveis,
inseridas em um contexto fascinantemente pessimista, como os melhores filmes no
gênero, essa produção injeta esperança em qualquer fã do horror. Que o público
agora eleve seus padrões...
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