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Heróis do Oriente (Zhong Hua Zhang Fu – 1978)
É importante contextualizar a obra, pra compreender sua
importância. O patriotismo dos chineses era a base para muitos projetos na
década de setenta, como o já citado no especial: “A Fúria do Dragão”, com Bruce
Lee. Os japoneses eram sempre apresentados como os grandes vilões, sempre
unidimensionais, um resquício da Segunda Guerra Mundial. “Heróis do Oriente”
foi o primeiro filme chinês que, não somente evitou essa caricatura cruel, como
também retratou os japoneses e sua arte marcial com respeito. O que não impediu
que o Kung-Fu chinês do protagonista, sendo colocado em combate com seis
mestres de armas e estilos japoneses (Karatê, Kendo, Sai, Yari/Lança, Tonfa e
Nunchaku, Judô e Ninjitsu), tenha se mostrado superior. Nessas batalhas, a fotografia
de Arthur Wong Ngok-Tai emoldura os lutadores com elegância e refinamento,
outro ponto que merece ser salientado. Vale destacar a presença do próprio
diretor, como o mestre do estilo bêbado, que Liu utiliza pra enfrentar o mestre
de Karatê.
O divertido primeiro ato é focado nos desentendimentos do
casal, a esposa japonesa, vivida pela bela Yuko Mizuno, e o marido chinês, cada
um intencionando provar que seu estilo de luta é melhor que o do outro, mas a
cena final define o leitmotiv da trama: a importância da honra para o
guerreiro. O diretor Lau Kar-Leung, ao invés de seguir o caminho mais óbvio da
narrativa, mostrando o reencontro do casal após todos os desafios, decide
fechar com a bela imagem do oponente entregando, de cabeça baixa, sua espada
embainhada para aquele que o superou no confronto, que, sem pensar duas vezes,
aceita o presente. Em um momento anterior, ignorando a simbologia desse gesto,
o personagem de Gordon Liu havia se negado a receber a espada, o que fez com
que o oponente, humilhado, tentasse até o seppuku. O importante não é saber se
o casal irá conseguir resolver suas diferenças, checar qual dos dois irá ceder,
mas, sim, compreender o valor da chama da honra que motivou esse choque
cultural.
A simplicidade dessa abordagem é o grande mérito desse
filme, que, de forma justa, é considerado por muitos o melhor na história do
gênero das Artes Marciais. As lutas que tomam o terceiro ato são impecáveis e o
humor no roteiro funciona universalmente, eficiente até hoje, algo que adiciona
um fator de encantamento pouco usual nas produções dos Shaw Brothers. É o filme
perfeito para introduzir o gênero a alguém que tem resistência.
O Grande Mestre Beberrão (Da Zui Xia – 1966)
Hoje a indústria norte-americana celebra fortes
protagonistas, heroínas que não dependem dos homens, mas “O Grande Mestre
Beberrão”, dirigido por King Hu, já fazia isso em meados da década de sessenta,
antes mesmo das personagens duronas de Pam Grier nos blaxploitations
setentistas. A temida Andorinha Dourada, vivida pela dançarina Cheng Pei-Pei,
está em missão quase suicida para libertar seu irmão das mãos de um poderoso
opositor do governador. Ela recebe a ajuda do misterioso Gato Beberrão, um lobo
em pele de cordeiro que a protege nas sombras, um mestre poderoso que se
posiciona publicamente como um mendigo que ganha uns trocados com a música que
faz ao lado de crianças órfãs. Utilizando a técnica de dança da heroína na
coreografia das lutas, Hu consegue elaborar um estilo elegante, onde cada
movimento é friamente calculado, um contraponto interessante ao estilo despretensioso
do bêbado, que é tão competente, que consegue fingir que não há disciplina
alguma. O momento em que ele chupa o veneno de um ferimento no busto dela, cena
ousada pra época, emoldurada pela idílica floresta onde ele mora, denota a
história de amor que nunca é colocada em primeiro plano. O filme tem
importância fundamental na história do gênero, influenciando tudo o que foi
produzido desde então, e segue eficiente como em sua época.
Combate Mortal (Can Que – 1978)
Conhecido internacionalmente como “Crippled Avengers”, esse
é um dos mais famosos projetos dos Shaw Brothers. A premissa é muito
interessante, a união de lutadores com algum tipo de deficiência, adaptando
seus estilos para se beneficiarem com aquilo que os diferencia dos oponentes.
Mas, assim como ocorreu nesse especial com “A Câmara 36 de Shaolin”, outro
marco no gênero, eu preciso salientar que considero o filme bem fraco, ainda
que seja dirigido pelo mestre Chang Cheh. Até mesmo as lutas, longas em excesso
e sem impacto, sofrem com a coreografia muito marcada, quase uma apresentação
de circo, o que é prejudicado por um roteiro confuso e incoerente que falha em
estabelecer minimamente bem os personagens na trama. Como não sentimos empatia
por eles, os combates ficam ainda mais frios. Chega a ser difícil discernir
quem é quem, já que são todos tiras de cartolina ambulantes, com roupas e
rostos semelhantes. A razão que leva o vilão a sair desmembrando seus inimigos
é impressionantemente tola. Logo na primeira sequência, um pai acaba de ver sua
esposa e seu filho com as pernas e braços extirpados, chorando desesperados, mas
não tem reação alguma, o riso involuntário passa a ser então uma constante. O
filme está nesse especial apenas como curiosidade exótica, que ganha alguns
pontos pela forma criativa como as deficiências são trabalhadas de forma
prática nas lutas.
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