sábado, 26 de março de 2016

Kung-Fu Fighting - "Heróis do Oriente" / "O Grande Mestre Beberrão" / "Combate Mortal"

Link para os textos anteriores do especial:


Heróis do Oriente (Zhong Hua Zhang Fu – 1978)
É importante contextualizar a obra, pra compreender sua importância. O patriotismo dos chineses era a base para muitos projetos na década de setenta, como o já citado no especial: “A Fúria do Dragão”, com Bruce Lee. Os japoneses eram sempre apresentados como os grandes vilões, sempre unidimensionais, um resquício da Segunda Guerra Mundial. “Heróis do Oriente” foi o primeiro filme chinês que, não somente evitou essa caricatura cruel, como também retratou os japoneses e sua arte marcial com respeito. O que não impediu que o Kung-Fu chinês do protagonista, sendo colocado em combate com seis mestres de armas e estilos japoneses (Karatê, Kendo, Sai, Yari/Lança, Tonfa e Nunchaku, Judô e Ninjitsu), tenha se mostrado superior. Nessas batalhas, a fotografia de Arthur Wong Ngok-Tai emoldura os lutadores com elegância e refinamento, outro ponto que merece ser salientado. Vale destacar a presença do próprio diretor, como o mestre do estilo bêbado, que Liu utiliza pra enfrentar o mestre de Karatê.

O divertido primeiro ato é focado nos desentendimentos do casal, a esposa japonesa, vivida pela bela Yuko Mizuno, e o marido chinês, cada um intencionando provar que seu estilo de luta é melhor que o do outro, mas a cena final define o leitmotiv da trama: a importância da honra para o guerreiro. O diretor Lau Kar-Leung, ao invés de seguir o caminho mais óbvio da narrativa, mostrando o reencontro do casal após todos os desafios, decide fechar com a bela imagem do oponente entregando, de cabeça baixa, sua espada embainhada para aquele que o superou no confronto, que, sem pensar duas vezes, aceita o presente. Em um momento anterior, ignorando a simbologia desse gesto, o personagem de Gordon Liu havia se negado a receber a espada, o que fez com que o oponente, humilhado, tentasse até o seppuku. O importante não é saber se o casal irá conseguir resolver suas diferenças, checar qual dos dois irá ceder, mas, sim, compreender o valor da chama da honra que motivou esse choque cultural.

A simplicidade dessa abordagem é o grande mérito desse filme, que, de forma justa, é considerado por muitos o melhor na história do gênero das Artes Marciais. As lutas que tomam o terceiro ato são impecáveis e o humor no roteiro funciona universalmente, eficiente até hoje, algo que adiciona um fator de encantamento pouco usual nas produções dos Shaw Brothers. É o filme perfeito para introduzir o gênero a alguém que tem resistência.


O Grande Mestre Beberrão (Da Zui Xia – 1966)
Hoje a indústria norte-americana celebra fortes protagonistas, heroínas que não dependem dos homens, mas “O Grande Mestre Beberrão”, dirigido por King Hu, já fazia isso em meados da década de sessenta, antes mesmo das personagens duronas de Pam Grier nos blaxploitations setentistas. A temida Andorinha Dourada, vivida pela dançarina Cheng Pei-Pei, está em missão quase suicida para libertar seu irmão das mãos de um poderoso opositor do governador. Ela recebe a ajuda do misterioso Gato Beberrão, um lobo em pele de cordeiro que a protege nas sombras, um mestre poderoso que se posiciona publicamente como um mendigo que ganha uns trocados com a música que faz ao lado de crianças órfãs. Utilizando a técnica de dança da heroína na coreografia das lutas, Hu consegue elaborar um estilo elegante, onde cada movimento é friamente calculado, um contraponto interessante ao estilo despretensioso do bêbado, que é tão competente, que consegue fingir que não há disciplina alguma. O momento em que ele chupa o veneno de um ferimento no busto dela, cena ousada pra época, emoldurada pela idílica floresta onde ele mora, denota a história de amor que nunca é colocada em primeiro plano. O filme tem importância fundamental na história do gênero, influenciando tudo o que foi produzido desde então, e segue eficiente como em sua época.


Combate Mortal (Can Que – 1978)
Conhecido internacionalmente como “Crippled Avengers”, esse é um dos mais famosos projetos dos Shaw Brothers. A premissa é muito interessante, a união de lutadores com algum tipo de deficiência, adaptando seus estilos para se beneficiarem com aquilo que os diferencia dos oponentes. Mas, assim como ocorreu nesse especial com “A Câmara 36 de Shaolin”, outro marco no gênero, eu preciso salientar que considero o filme bem fraco, ainda que seja dirigido pelo mestre Chang Cheh. Até mesmo as lutas, longas em excesso e sem impacto, sofrem com a coreografia muito marcada, quase uma apresentação de circo, o que é prejudicado por um roteiro confuso e incoerente que falha em estabelecer minimamente bem os personagens na trama. Como não sentimos empatia por eles, os combates ficam ainda mais frios. Chega a ser difícil discernir quem é quem, já que são todos tiras de cartolina ambulantes, com roupas e rostos semelhantes. A razão que leva o vilão a sair desmembrando seus inimigos é impressionantemente tola. Logo na primeira sequência, um pai acaba de ver sua esposa e seu filho com as pernas e braços extirpados, chorando desesperados, mas não tem reação alguma, o riso involuntário passa a ser então uma constante. O filme está nesse especial apenas como curiosidade exótica, que ganha alguns pontos pela forma criativa como as deficiências são trabalhadas de forma prática nas lutas. 

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