Um de Nós Morrerá (The Left Handed Gun – 1958)
Baseado na peça de Gore Vidal, esse ótimo faroeste
revisionista foi o primeiro longa-metragem dirigido por Arthur Penn, que
captura toda a ambiguidade da trajetória do lendário fora-da-lei Billy the Kid.
O filme de estreia do diretor Arthur Penn, após vários
trabalhos em teleteatros, já deixava perceptível a sua ousadia, o pé na porta
da indústria, um faroeste que desconstruía o gênero, adaptado de uma peça escrita
por Gore Vidal. Muitas das conotações de homossexualidade contidas no texto
original foram amenizadas, deixadas no subtexto de alguns diálogos, algo
compreensível no contexto de sua época. O resultado acabou sendo prejudicado
por uma interferência agressiva dos produtores, mas o elemento importante da
desmistificação do pistoleiro Billy the Kid, vivido por um irrepreensível Paul
Newman, em papel que foi pensado para James Dean, segue eficiente até hoje. O
protagonista dá voz às angústias dos jovens da década de cinquenta, emulando sutilmente
até certos trejeitos dos rebeldes de “Juventude Transviada” e “O Selvagem”. Peckinpah
homenagearia várias sequências do filme, até repetindo enquadramentos, em: “Pat
Garrett e Billy the Kid”, de 1973. E, como curiosidade, vale prestar atenção no
começo do namoro de Penn com a câmera-lenta, um recurso que ele viria a
aperfeiçoar na sua obra mais celebrada: “Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas”.
Mickey One (1965)
Em Chicago, um comediante conhecido como Mickey One é
perseguido pela máfia.
Com a traumática pós-produção de “Um de Nós Morrerá”, sem
nenhum controle criativo, e a fraca recepção dos críticos norte-americanos,
Penn foi agradecer os aplausos dos jovens críticos franceses, ficando amigo de
Truffaut. Ele então decidiu agregar ao seu trabalho aqueles maneirismos visuais.
O sistema em Hollywood, censurado pelo código de produção, estava bastante desgastado,
grande parte do público começava a prestar mais atenção aos cineastas europeus
e reduzia o cinema norte-americano ao cenário fantasioso das comédias
românticas, bobagens imediatistas, ou aqueles épicos bíblicos problemáticos. Mas
talvez o diretor tenha se escorado demais nas influências da Nouvelle Vague,
criando um pretensioso neo-noir kafkiano onde o protagonista, vivido por Warren
Beatty, está em constante fuga, uma óbvia metáfora para as perseguições macartistas,
com o roteiro entregando algumas ótimas ideias bem executadas, mas o senso de
perigo nunca chega a efetivamente prender a atenção do espectador. O mérito
fica com o estilo, a elegante fotografia do veterano europeu Ghislain Cloquet e
a trilha jazzística composta por Eddie Sauter, com o reforço do saxofone de
Stan Getz. Uma obra importante no contexto da Nova Hollywood.
Deixem-nos Viver (Alice’s Restaurant – 1969)
Inspirando-se livremente na música “Alice’s Restaurant”, de
Arlo Guthrie, um clássico da contracultura dos anos 60, Penn cria um dos
retratos definitivos da cultura hippie no cinema.
O policial exigiu que ele entregasse o cinto, antes de ser
preso, para evitar que ele se enforcasse na cela. Mas quem iria se enforcar por
ter despejado lixo em local proibido? E depois ele cumpriu seu dever no
alistamento militar para a Guerra do Vietnã, pulando junto com o psiquiatra do
exército aos repetidos berros de: “Eu quero matar!”. Dois trechos da canção de
Arlo Guthrie que considero brilhantes em sua crítica à imbecilidade do
militarismo. O filme, protagonizado pelo próprio Arlo, se torna ainda mais
fascinante para aqueles que já conhecem a história da música, um tesouro que
precisava ser resgatado, já que continua eficiente e, até ouso dizer, narrativamente
é mais impactante hoje. Penn conhecia o músico e não se sentia confortável em
tomar parte na produção, mas encontrou o viés emocional que buscava no bem-humorado
trecho final da canção: “Você pode conseguir tudo o que quiser no restaurante
da Alice, menos a própria Alice”. O foco do roteiro é um tema que o diretor
prezava mais do que martelar os horrores da guerra, a cultura que estava sendo
alimentada pelos jovens norte-americanos como uma fuga lúdica de todas as
convenções ditadas por seus pais, representada na família formada por Arlo,
Alice e seus amigos, a simbólica ceia que eles compartilham na igreja
abandonada. O despejo do lixo, crime que impediu o alistamento, a hipocrisia
inerente ao militarismo e sua cultura de padronização, destruindo o indivíduo.
Os temas são abordados de forma leve, coerente à ideologia hippie, culminando
em um desfecho poderoso em sua opressiva “paz”. Alice, solitária na porta da
igreja, vestida de noiva, reconhece internamente que o frágil sonho está fadado
a acabar.
Amigos Para Sempre (Four Friends – 1981)
Jovem imigrante iugoslavo e seus dois melhores amigos
dividem o amor por uma mesma mulher. Os quatro jovens atravessam a década de
60, vivendo suas incertezas e desilusões.
Essa obra é uma excelente introdução para os trabalhos do diretor,
ainda que pouco lembrada na filmografia dele, complementando com um verniz mais
terno a sua visão sobre a juventude da conturbada década de sessenta, sempre
colocando em conflito os impulsos de vitalidade e os grilhões da opressão. A
idealização da coragem e da integridade artística que a jovem que sonha em ser
Isadora Duncan representa para os três amigos, o respeito deles em desviar o
rosto quando ela deliberadamente tenta seduzir eles deixando o seio à mostra, uma
analogia para os sonhos ingênuos que aquela geração nutriu, simbolizados pela
meta do homem na lua firmada por Kennedy, minuciosamente desconstruídos com o
passar dos anos, com o filho poeta se tornando o reflexo exato do pai bronco
que outrora desprezava. A cena impactante da festa de casamento, uma aula de
montagem, a esperança morrendo sem glória, dando lugar à estupidez da guerra,
ao mundo sombrio personificado na trama pelo incesto e consequencial suicídio
do sogro. O rapaz finge não enxergar o óbvio, até que a ilusão se desfaz em
tragédia. Um filme que ganha muito em revisão, essencial!
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