A Espinha do Diabo (El Espinazo Del Diablo – 2001)
Durante a Guerra Civil Espanhola, o menino é levado a um
orfanato, que esconde macabros segredos que envolvem uma criança desaparecida.
O filme de estreia de Guillermo Del Toro, “Cronos”,
sinalizava um grande potencial, que o diretor viria a exercitar com mais
competência nesse excelente conto de fantasmas. Ao negar a estrutura simplista de
jump scares das tramas fantasmagóricas de Hollywood, resgatando a influência dos
clássicos orientais no tema, como “Onibaba” e “Kuroneko”, dirigidos por Kaneto
Shindo (torço para que a distribuidora Versátil inclua essas pérolas em uma
próxima caixa), misturada aos livros de M.R. James, o diretor entrega um relato
pessoal pungente e melancólico sobre os efeitos da Guerra Civil Espanhola, o
precursor de todos os conflitos fascistas da Europa, no psicológico das
crianças. A imagem do fantasma Santi, visualmente inesquecível, funcionando
como uma metáfora para o legado de sofrimento que assombra o presente de um
povo. Como o próprio narrador informa: O fantasma é uma tragédia que está
fadada a se repetir eternamente. Complementado ideologicamente por “O Labirinto
do Fauno”, esse filme é uma prova de como o gênero do terror e da ficção científica
podem ser, e quase sempre são, veículo para temas muito mais profundos do que
os ditos dramas sérios e respeitados pela crítica.
Sob o Poder da Maldade (The Sorcerers – 1967)
Um casal idoso passa a usar um novo método de hipnose para
manipular a mente alheia e conseguir tirar vantagens.
O roteiro une a temática do cientista louco, frequente nos
clássicos do gênero realizados nas décadas de trinta e quarenta, ao frescor
anárquico que estava sendo trabalhado na safra dos estúdios Hammer, com o
elemento adicional do contexto social da swinging London do final dos anos
sessenta, representado pela forma como os personagens jovens são retratados. A
presença de Boris Karloff, em ótimo momento, reforça esse resgate, mas é a
fantástica Catherine Lacey, vivendo uma idosa que deseja experimentar novas
emoções, numa interpretação que lhe rendeu o prêmio de Melhor Atriz no Trieste
Science Fiction Film Festival, a responsável pela força dramática do projeto. A
história é simples, o que realmente engrandece o resultado é a eficácia na
criação da atmosfera inquietante, onde o senso de perigo é uma constante. O
diretor Michael Reeves, um jovem talento que faleceu dois anos depois da
estreia, consegue, com baixo orçamento, estabelecer suspense até mesmo em
sequências comuns, como na tentativa de um assalto a uma loja de casacos de
pele, ou na perseguição de carros que ocorre no terceiro ato. O nível de
violência gráfica perturbou os censores, demonstração da coragem do cineasta, dois
anos antes da indústria se chocar com o faroeste de Sam Peckinpah. E vale
ressaltar o impacto da cena que fecha o filme, uma das imagens mais
emblemáticas do cinema de terror de sua década.
A Casa do Cemitério (Quella Villa Accanto al Cimitero –
1981)
Norman Boyle muda-se com a família para uma velha mansão ao
lado de um cemitério. E violentas mortes começam a acontecer.
Nesse terceiro e último filme da trilogia dos portais do
inferno, composto também por “Terror nas Trevas” (que a Versátil lançou numa
caixa anterior) e “Pavor na Cidade dos Zumbis” (que acredito que a distribuidora
também irá lançar), Lucio Fulci subverte algumas ideias já estabelecidas. Ao
contrário dos filmes anteriores, dessa vez não há um livro mágico, nem mesmo há
um portal. O roteiro, o mais problemático da trilogia, dá espaço para fantásticas
cenas de morte, aquele gore competente e criativo usual nos trabalhos do
diretor, mérito de Giannetto De Rossi, mas a estrutura dessa vez remete mais
aos filmes de fantasmas, deixando para o excelente terceiro ato a resolução do
mistério que envolve os estranhos barulhos escutados no sótão da nova casa da
família Boyle. Vale destacar a ótima trilha sonora de Walter Rizzati. É curioso
perceber que a citação que encerra a trama, informada como sendo do escritor
Henry James, do clássico "A Volta do Parafuso", na realidade, foi criação do próprio diretor.
A Filha de Satã (Burn, Witch, Burn – 1962)
Cético professor universitário descobre que sua esposa, com
quem está casada há muitos anos, é uma bruxa.
Uma peça importante no horror britânico do início da década
de sessenta, essa produção da AIP me remete ao “A Noite do Demônio”, de Torneur,
com o protagonista, alguém com uma profissão que representa credibilidade,
sendo obrigado a colocar em conflito o lógico e o paranormal. A introdução
narrada, um encanto proferido como forma de proteger o público da sessão, contribuição
dos pensadores de marketing da produtora, exclusiva para o lançamento nos
Estados Unidos, pode soar datada hoje em dia, mas é fascinante. O diretor
Sidney Hayers dedicou grande parte da vida a projetos televisivos, mas sua
contribuição ao cinema não pode ser menosprezada. “A Filha de Satã” é sua
obra-prima, mas “O Circo dos Horrores”, feito em 1960, também merece destaque. O
roteiro é do grande Richard Matheson, adaptado do livro de Fritz Leiber: “Conjure
Wife” (ótimo, por sinal, facilmente encontrado em inglês na internet), que viria
a retrabalhar conceito semelhante em “As Bodas de Satã”, em 1968, para a
Hammer.
Nasce Um Monstro (It’s Alive – 1974)
Um bebê mutante nasce com um apetite voraz e canibal. Ao
fugir do hospital, coloca em pânico uma pequena cidade americana.
A capa do VHS nacional desse filme me causava pavor na
infância, cometendo o erro de mostrar o rechonchudo bebê mutante na claridade,
destruindo o elemento de mistério que é o grande mérito dessa obra do diretor
Larry Cohen, que foi responsável também por outro clássico da minha infância: “A
Coisa”, onde ele também insere o viés da sátira social, além de ter comandado
um dos melhores blaxploitation: “Black Caesar”. Um ano antes do “Tubarão” de
Spielberg mostrar ao mundo como o monstro que se esconde é mais aterrorizante, Cohen
já fazia uso desse mesmo conceito, trabalhando metaforicamente o tema do aborto,
que havia sido legalizado pela Suprema Corte norte-americana no ano anterior,
por trás do verniz de Filme B, algo bastante corajoso pra época. Destaco também
a trilha sonora do mestre Bernard Herrmann, injustamente pouco lembrada, onde
conseguimos perceber vislumbres do que seria utilizado em “Taxi Driver”. Basta
escutar na íntegra (foi lançada pelo selo FSM lá fora), para constatar que ela merece
estar ao lado de suas composições mais famosas. Um exercício de criatividade
que apenas o cinema independente de baixo orçamento pode oferecer, o filme venceu
o prêmio especial do júri no Avoriaz Fantastic Film Festival, de 1975.
Schock (1977)
Ao voltar a morar em sua antiga casa, Dora passa a ser
assombrada pelo fantasma do ex-marido. E seu filho pequeno age de modo estranho.
O roteiro de Lamberto Bava, que também ajudou bastante na
direção, busca inspiração nos livros de Stephen King, uma referência que é
perceptível na forma como o personagem do menino é desenvolvido. É
impressionante como o genial diretor Mario Bava, mesmo em seu último trabalho,
consegue demonstrar vitalidade e um desejo por trazer algo novo para o seu
público. A opção pelos efeitos práticos, muito devido ao baixo orçamento,
consegue ser mais eficiente do que qualquer computador moderno, o que me leva a
crer que esse talvez seja o filme mais assustador em sua filmografia. Sem
estragar a experiência dos que ainda irão conhecer a obra, eu posso salientar
aqui um truque brilhante, que ocorre numa cena em que vemos o filho pequeno
correr até os braços da mãe, já no terceiro ato. É um dos meus momentos
favoritos no gênero. Toda a subtrama que envolve a espécie de possessão
espiritual merece pontos pela coragem, inserindo cenas verdadeiramente
perturbadoras entre o menino e a mãe, vivida pela musa de Dario Argento: Daria
Nicolodi, conotações sutis de incesto, tipo de coisa que a insegura indústria
de cinema moderna jamais cogitaria realizar.
A caixa "Obras-Primas do Terror 4" está sendo lançada pela distribuidora Versátil, com
a curadoria impecável de Fernando Brito.
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