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Diário
13 de Janeiro – 1920 – 19:30
A minha visão ficou turva por alguns segundos, as imagens se
embaralhavam, um forte zumbido atravessava de forma lancinante meus ouvidos,
achei que iria desmaiar. Forcei minha mão no estofado do sofá, como que lutando
para focar minha atenção no presente que estava vivenciando, evitando que a
loucura da situação tomasse conta daquela realidade. Eu estava transpirando
muito, Edison gentilmente me perguntou se eu estava me sentindo bem. Tentei
sorrir o mais naturalmente possível, antes de pedir licença e ir até a janela.
O ar noturno deveria acalmar meus nervos. Ao meu lado, admirando seriamente a
paisagem, o homem mais gentil que conheci nessa aventura. Ele se virou para mim,
sorriu, e eu gelei.
- Olá, rapaz. – Assustado com minha expressão, ele
continuou. – Você está se sentindo bem?
Eu estava a ponto de cometer um terrível equívoco, mas a
providência novamente se mostrou vigilante. Naquele momento no tempo, Stan
Laurel ainda não havia sequer assistido seu primeiro trabalho com o parceiro
Oliver Hardy: “The Lucky Dog”, filmado meses antes de nosso encontro, mas que
seria lançado somente no ano seguinte. Ele era apenas um esforçado ator,
começando sua carreira, com alguns trabalhos de pouca expressão, dirigidos quase
sempre por Hal Roach. E, ainda assim, o projeto não simbolizava o verdadeiro
início da química irresistível da dupla, algo que só aconteceria cerca de sete
anos depois. Ele estava naquela festa, de certa forma, com a atitude de alguém
que busca atrair a atenção de possíveis empregadores, querendo se destacar numa
multidão de jovens sonhadores, o que o colocava numa posição similar a minha, facilitando
nossa interação. Eu respirei fundo, contendo o desejo de extravasar minha
admiração pelo trabalho dele, olhei de volta para os convidados que caminhavam
pelo salão, antes de responder.
- Essa é uma visão incrível, concorda?
Stan olhou para o salão, aproximou seu rosto do meu e disse
em tom de segredo:
- Você acaba se acostumando. – Voltou então para sua
posição, apoiado na janela. – Alguns são mais humanos que outros, como Charlie,
que conheci anos atrás na trupe de Fred Karno. A maioria aqui não possui nada
por baixo desses brilhantes. – Ele então olhou dentro dos meus olhos. – Eu
percebi que você estava quase reverenciando todos aqui, não se engane, você é
tão, ou mais valoroso, que qualquer um nesse salão.
Eu fiquei chocado com a ternura dele, a sinceridade em seus
olhos, Stan era o tipo de cara que dedicava tempo a aconselhar estranhos, com
uma humildade que eu não havia visto igual nem no meu próprio tempo. Não é de
causar surpresa sua trajetória de sucesso e o carinho que todos da área sentiam
pelo jovem inglês. Stan era grande, antes mesmo de se tornar um astro. Eu
percebi que não teria como planejar o rumo do papo, então, pela primeira vez
naquela noite, eu realmente aproveitei a festa, como se tivesse encontrado um
velho colega de escola. Ele, para minha surpresa, não comentava sobre filmes ou
sobre aquele universo. A conversa se estendeu por uma viagem nostálgica à
adolescência dele na cidade de North Shields, sobre como ele sentiu a ruptura
de ter se mudado, aos quinze anos, para a Escócia. Stan falava com tanta paixão
daquela cidade, seus olhos azuis brilhavam com uma empolgação que desarmou
qualquer intenção minha de desviar o assunto. Acredito que ele via em mim um
reflexo dele, um estrangeiro naquele mundo exótico.
Não pude contabilizar o tempo, mas fomos interrompidos por
Charlie. Era notório que Stan nutria profundo carinho por Chaplin, algo que
transcendia a admiração profissional, já que ambos se conheceram antes do
sucesso. Ele segurava uma taça já quase vazia, quando deu um amigável tapinha
no rosto do meu novo amigo.
- A noite está mais longa que o normal, preciso sair um
pouco. Querem me acompanhar? – Chaplin estava levemente alterado pelo álcool,
mas era um convite irrecusável.
Mary Pickford acenou para mim, enquanto nós atravessávamos o
salão em direção à porta de entrada. Stan tomou a frente, já no lado de fora,
preocupado com o amigo.
- O que houve? – Stan acendeu um cigarro. – Mildred?
Chaplin suspirou, tentando disfarçar. Senti que minha
presença o impedia de realmente tocar no assunto. Stan também sentiu, então
mudou o tema.
***
Chaplin estava prestes a se separar de Mildred Harris, após
o trágico falecimento do filho do casal, por má formação intestinal, com
apenas três dias de vida. Ela era uma jovem de caráter discutível, que havia
inicialmente mentido sobre sua gravidez, como forma de segurar a relação e
forçar o casamento. Em Abril, ela daria início aos procedimentos de divórcio.
***
O álcool havia deixado transparecer algo que angustiava
Chaplin há meses, um assunto que ele evitava comentar, por pura raiva. Stan,
com muita elegância, apagou o cigarro que mal havia iniciado, percebendo que o
melhor era manter o amigo ocupado dentro da mansão. Após uma breve anedota
improvisada sobre a influência do clima no efeito da bebida, Stan conduziu
Chaplin de volta à festa. E, mais uma vez, fiquei impressionado com as atitudes
daquele artista, que, hoje posso afirmar sem medo, respeito ainda mais como o
incrível ser humano que foi.
Continua...
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