Dois Lados do Amor (The Disappearance of Eleanor Rigby: Them - 2013)
É complicado analisar essa versão truncada, editada a pedido
do produtor Harvey Weinstein, visando um maior apelo comercial. O resultado
dessa colcha de retalhos não representa a beleza da ousada obra de estreia do
promissor roteirista e diretor Ned Benson, dois projetos que exploram um mesmo
caso de amor sob duas perspectivas, a da traumatizada esposa, vivida por
Jessica Chastain, com clara inspiração nas mulheres enigmáticas do cinema
francês da época da Nouvelle Vague, e a do confuso marido, vivido pelo carismático
James McAvoy.
Tendo assistido as três versões, afirmo que o produto que estreia nos cinemas
brasileiros é o que tem a execução mais problemática, perdendo toda a fluidez e
o senso de silêncio, ainda que seja uma proposta válida e adulta em um gênero
tão maltratado atualmente. Quem busca os estímulos adestrados pela banalização
dos clichês irá sair frustrado, o roteiro está mais próximo do existencialismo
da excelente trilogia romântica de Richard Linklater, com foco na sagacidade
dos diálogos, onde os eventos mostrados existem apenas como incitação sensorial
ao público, um convite para que cada espectador construa sua própria visão
sobre os possíveis significados para esse desaparecimento da protagonista,
elemento que se perde no convencional título nacional.
A jovem que modifica sua aparência radicalmente após uma tragédia, foge do
reflexo no espelho, rejeita o homem que amava, desaparecendo em sua
autocomiseração. Ao mesmo tempo em que a caracterização do casal não ajuda no
investimento emocional do público, o consequente distanciamento fortalece a
compreensão de que o que está em discussão, o leitmotiv emoldurado pela linda
fotografia de Christopher Blauvelt, é mais grandioso que o óbvio retrato
amargurado dos malefícios da autopiedade e o doloroso processo de culpa. Um
estudo sobre a impossibilidade de estarmos no controle de nossas vidas, algo
que se intensifica exatamente por não sabermos quase nada sobre esses
personagens.
Quando a personagem aguarda a câmera desviar o olhar, para tomar uma decisão
drástica, numa das cenas mais impactantes do primeiro ato, percebemos que sua
angústia consiste na incapacidade de compartilhar com outrem a sua dor, o que
explica tudo o que precisamos entender sobre ela. A riqueza dessa opção
consciente pelo sucinto é mérito louvável do diretor. O marido, por outro lado,
busca emular uma normalidade possível em seu cotidiano, uma negação da dor. O
contraste entre esses dois polos opostos é o que torna o filme um produto
superior.
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