Rebecca – A Mulher Inesquecível (Rebecca – 1940)
O filme é uma prova da teoria que rege a influência dos
gênios do sistema na criação do mito de Hollywood. É um projeto com a digital
do produtor David O. Selznick, que tinha acabado de lançar “... E o Vento Levou”,
onde fica visível a luta de Hitchcock para inserir os elementos que o
destacaram no cinema inglês, a ponto de chamar a atenção da indústria
americana. Numa atitude tola, o produtor altamente rigoroso e egocêntrico
decidiu interferir em praticamente todas as etapas da produção, ao invés de
deixar o mestre do suspense com total liberdade criativa. Essa batalha é
perceptível no produto final, que, sendo muito elegante e tecnicamente
impecável, não esconde certo enfado e um estranho distanciamento, um retrato
longo e frio sem o indefectível toque de humor peculiar presente nos filmes
anteriores do diretor.
Selznick ganhou o Oscar principal da noite, mas Hitchcock
não levou o de diretor, o que não surpreende, já que o diferencial dele, aquilo
que o tornou uma referência até hoje, pouco se vê na obra. O primeiro
tratamento do roteiro, provavelmente contendo a identidade criativa do mestre,
foi desprezada pelo produtor, que exigiu que fosse retrabalhado radicalmente em
uma adaptação fiel, com atos muito definidos, do livro de Daphne du Maurier,
com exceção de um detalhe importante, censurado pelo Código Hays, que
impossibilitava a impunidade para um assassino, no caso, Maxim de Winter,
vivido por Laurence Olivier. Aliado a isso, a inexistente química entre o
casal, Olivier e Joan Fontaine, não facilita a imersão, especialmente no fraco
primeiro ato. “Rebecca” é um ótimo filme, caro leitor, não me entenda mal,
apenas não representa as potencialidades do talento do seu diretor, que afirmava
publicamente seu descontentamento com o resultado.
O maior mérito, além do clima estabelecido na gótica mansão Manderlay,
está na composição da governanta Sra. Danvers, interpretada por Judith
Anderson, que poderia constar nas galerias de ícones do horror, com sua doentia
obsessão pela falecida esposa do patrão, e, numa clara e subversiva insinuação
homossexual, perpetrando sua tortura psicológica na simplória jovem sem nome, símbolo
da inocência, aquela que ousa tomar o lugar de Rebecca. A onipresença
perturbadora desse fantasma, construída para o público através de pistas
deixadas pelos personagens, sufoca a câmera, gradualmente optando pela
claustrofobia.
* O filme está sendo lançado, em versão restaurada e com um documentário sobre a produção,
pela distribuidora "Versátil", na caixa "O Cinema de
Hitchcock", contendo também: "Quando Fala o Coração",
"Interlúdio", "Os 39 Degraus",
"Correspondente Estrangeiro" e a primeira versão de "O Homem Que
Sabia Demais".
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