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Interlúdio (Notorious – 1946)
Alicia Huberman (Bergman) é uma alemã naturalizada americana,
convocada pelo agente secreto americano Devlin (Grant) para uma missão no Rio
de Janeiro. Como espiã, Huberman terá que se infiltrar numa organização nazista
que vem atuando no Brasil e, para isso, deverá casar-se com Alex Sebastian
(Claude Rains), líder da organização.
Um dos pontos que considero mais interessantes nessa
obra-prima de Hitchcock é a forma como ela se encaixa, de maneira perfeita, na
expectativa de quem o assiste. Caso você esteja procurando os truques do mestre
do suspense, você terá uma verdadeira aula. Caso sua namorada esteja
interessada em investir emocionalmente em um bom romance, ela receberá
simplesmente o melhor. A trama, escrita por Ben Hecht, com uma inteligente
execução, satisfaz ainda como thriller político, filme de espionagem, podendo
ser também considerada uma das melhores no gênero Noir. O que impressiona é a
facilidade do diretor em trafegar por esses caminhos, diferentes gêneros, entrecruzando-os
com total segurança e com seu ácido senso de humor.
A narrativa é simples, um caso clássico de triângulo
amoroso, ambientado nos escombros psicológicos da Segunda Guerra Mundial. O
habitual uso do McGuffin, desta feita, a chave que abre a adega e a amostra de
urânio escondida nas garrafas de vinho, pensada um ano antes da tragédia em Hiroshima, transforma
situações comuns em momentos de grande tensão para o espectador. A câmera nos ilude
apresentando uma festa em larga escala, somente para nos conduzir a observar
atentamente a pequena chave que a personagem vivida por Ingrid Bergman esconde
na mão, um objeto que, em sua pequenez, representa a resolução de todo o
conflito proposto pelo roteiro. Outra cena que simboliza esse incrível poder
alquímico de criar sequências densas a partir de eventos comuns: o longo beijo
do casal. O Código Hays censurava beijos na boca que durassem mais de três
segundos, obstáculo que Hitchcock audaciosamente ultrapassou ao inserir, entre
uma carícia e outra, linhas de diálogo. Sua câmera nos faz voyeurs, apoiados no
ombro de Cary Grant, enquanto a belíssima Bergman demonstra claramente que
apenas realizou a sua perigosa missão, diferente de Mata Hari, por estar
perdidamente apaixonada por ele. O ato de redenção, como forma de compensar os
crimes cometidos pelo pai nazista, é pura consequência da paixonite dela, que
se mostra, ao longo da trama, emocionalmente imatura e carente, ainda que
revestida por um verniz de segurança que, salientado logo de início, é
reforçado pelo vício no álcool.
Ao optar por filmar em primeira pessoa a sequência de
introdução dela no ambiente do personagem de Claude Rains, o diretor evidencia
que a mão que está sendo beijada é a da espectadora, ele busca a total
identificação do público feminino nessa trama, uma espécie de tortura
cinematográfica. Ele sabia que o filme seria um sucesso, quando o público se
sentisse ameaçado, sofresse junto com os protagonistas. Ele priorizava mais os
dez minutos de angústia que poderia conquistar, contando ao público que algo terrível
iria acontecer, fazendo dele cúmplice, do que assustar os espectadores desprevenidos
por alguns segundos. O plot twist sutilmente exposto no título original mostra
o personagem de Grant, um espião profissional, altamente competente, percebendo
que o nascimento de um inesperado sentimento de amor pela jovem, algo notório
desde a primeira troca de olhares, superou toda a desconfiança essencial em sua
função. Como não se apaixonar por Ingrid Bergman?
* O filme está sendo lançado, em versão restaurada e com um documentário sobre a produção, pela distribuidora "Versátil", na caixa "O Cinema de Hitchcock", contendo também: "Quando Fala o Coração", "Rebecca - A Mulher Inesquecível", "Os 39 Degraus", "Correspondente Estrangeiro" e a primeira versão de "O Homem Que Sabia Demais".
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