quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

"O País de Charlie" / "Der Samurai"



O País de Charlie (Charlie's Country - 2013)
O roteiro, escrito pelo diretor Rold de Heer em parceria com o protagonista David Gulpilil aborda de forma livre a vida do indígena em meio à intrusiva intervenção do governo australiano, tratando de elementos autobiográficos, como o vício no álcool e seu exílio, enquanto acompanha sua vida solitária na reserva e sua aventura na cidade grande. E, por mais que sua presença em cena seja hipnotizante, não dá para relevar a forma simplória como todos os personagens são construídos, alicerçados em estereótipos e com praticamente nulo aprofundamento em suas motivações. 

Há uma simplificação até mesmo nas questões sociais que o roteiro aborda, sem interesse em focar nos conflitos internos e externos dos personagens. O resultado é emocionalmente eficiente, mas existem vários momentos onde o roteiro parece não confiar na inteligência do espectador, enfatizando excessivamente com a trilha sonora de Graham Tardif o que já está estabelecido satisfatoriamente pela imagem. O protagonista consegue dizer tanto com pequenos gestos e com seu rosto expressivo, que acaba se tornando incômoda essa necessidade de sublinhar artificialmente cada emoção, longas tomadas que berram a intenção de fazer o público sentir até o aroma do local, um recurso que acaba se banalizando e desumanizando o elemento principal, um clássico caso onde menos seria mais.

Com adoráveis toques de humor, que ajudam a evitar que o filme se arraste em seu segundo ato, essa nova parceria entre o diretor e Gulpilil pode não ser a mais interessante, considero “The Tracker” bem melhor, mas vale tremendamente pela impecável atuação de seu protagonista. 

Der Samurai (2014)
Como na Alemanha, similar ao que infelizmente ocorre aqui, é difícil conseguir verba para projetos do gênero fantástico, o jovem diretor Till Kleinert acreditou em sua ideia e elaborou um plano. Um filme neo-giallo realizado por crowdfunding, um trabalho de conclusão de curso, exatamente o tipo de surpresa agradável que engrandece o conceito de um festival e nos faz aguardar com ansiedade as próximas obras do cineasta. Utilizando variadas referências, que vão de Argento, Bava, Soavi, Lynch, passando pelo ciclo de lobisomens das décadas de sessenta a oitenta, até mesmo os jidai-geki chambara japoneses e os trabalhos iniciais de Polanski, o roteiro enxuto constrói a partir desse amálgama uma visão que se impõe com personalidade, entregando um eficiente vilão samurai travesti, vivido com a mesma intensidade do Frank-N-Furter de “Rocky Horror Picture Show”, por Pit Bukowski. 

A trama, coerente com sua proposta, utiliza o jogo de gato e rato entre o sombrio vilão e seu extremo oposto, um jovem policial tímido e inexperiente, vivido por Michel Diercks, como alegoria para o autodescobrimento homossexual, repleto do gore caricato que remete ao das produções dos “Shaw Brothers”, tendo os assassinatos em série perpetrados pela louca projeção de seu id, seus impulsos primitivos, como metáfora visual para um extravasamento da repressão interna do policial, conduzido pela espada samurai como óbvio símbolo fálico.

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