O mais recente filme do diretor Christopher Nolan,
"Interestelar", possui muitos problemas estruturais, mas é louvável a
ambição do roteiro em arriscar discussões profundas no cinemão mainstream
americano, atualmente tão escravo das fórmulas, reutilizadas com pouca coragem.
Você sai da sessão com vontade de reunir um grupo de amigos e sair falando sobre
os conceitos de física quântica, matéria que muitos desprezaram na escola
porque o professor não a fazia parecer interessante como conseguiu o cineasta.
É uma obra que esbanja verba, mas a indústria já provou que é possível tratar
de temas fantásticos, uma ficção científica de qualidade, com baixo orçamento.
O que vale é a criatividade, a ideia é mais poderosa que a computação gráfica.
Você pode insinuar que existe um monstro no nevoeiro, sem nunca mostrar ele,
causando no espectador um medo maior do que se exibisse o monstro em gloriosa
computação gráfica. Aquilo que reside nas sombras é tremendamente mais
apavorante do que aquilo que conseguimos enxergar.
O gênero da fantasia é perfeito até para a evolução da
própria linguagem cinematográfica, já que seus diretores precisam criar novas
formas de equiparar a forma à liberdade criativa do conteúdo. Um bom exemplo é
o de um adolescente Sam Raimi, na época um sonhador desconhecido e sem
dinheiro, criando o que hoje é chamado de "Raimi Vision", a câmera
presa em uma prancha de madeira, possibilitando em "A Morte do
Demônio" aquelas sequências onde vemos, em POV (ponto de vista), a
aproximação rápida do mal que ameaça os personagens. Ele foi obrigado, pela
falta de recursos, a forçar sua imaginação na tentativa de transportar sua
ideia para a difícil realidade do set de filmagem.
Temos poucos cineastas brasileiros que apostam no cinema
fantástico, como Rodrigo Aragão, mas que não são devidamente abraçados por uma
indústria preguiçosa que vive de ciclos. José Padilha, já celebrado após o
sucesso de "Tropa de Elite", foi fazer cinema fantástico lá fora, com
sua ótima refilmagem de "Robocop". Será que ele teria
espaço/incentivo para realizar algo no gênero em sua própria nação? Caso
analisemos apenas os anos recentes, vivemos a época da exploração da
criminalidade nas favelas, seguido pelas comédias pensadas especificamente para
um público menos criterioso, até os filmes de temática espírita, que,
dependendo do ponto de vista, pode ser considerado uma espécie de ficção
científica, chegando agora às cinebiografias. Sem o necessário incentivo aos
jovens cineastas dispostos a se aventurar no cinema de fantasia, estamos
fadados a um panorama de progressiva estagnação criativa.
Vivemos uma cultura complexada que parece se envergonhar do
conceito de heroísmo, uma atitude de constante cinismo, que na realidade
esconde um medo profundo de se arriscar em áreas já dominadas por artistas
estrangeiros de competência comprovada. Um desprezo irracional pelo cinema de
gênero, como se a liberdade autoral não pudesse inteligentemente coexistir com
as necessidades mercadológicas da indústria. E, analisando de forma séria,
podemos traçar uma possível origem desse desprezo nas ideias de Glauber Rocha,
um cineasta que, assim como todos, moldou sua obra com referências
estrangeiras, especificamente o cinema neorrealista italiano e a nouvelle vague
francesa. O cinema nacional precisa urgentemente se libertar desse conceito
medroso e limitante, abraçando com carinho aqueles cineastas que estão
dispostos a fugir da zona de conforto.
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