1 – Ela (Her), de Spike Jonze
“... O que nos faz humanos? A capacidade de sermos afetados
pelo outro, sentir compaixão e desejo. O protagonista vivido por Joaquin
Phoenix trabalha inserindo emoções no subconsciente de estranhos, criando
cartas escritas à mão para seus clientes. O futuro se mostra através de
aparatos tecnológicos requintados, mas a realidade dos homens é exatamente a
que vivemos hoje: pessoas que se cruzam nas ruas e não se encaram; corpos
carentes de calor humano mesmo quando próximos. A terrível solidão que se
experimenta em grupo. Num toque de gênio, Jonze encaminha o protagonista a uma
situação crucial, onde tendo a opção de, com a permissão de sua parceira,
experimentar o sexo fisicamente com uma substituta, ele a considera algo menos
real, incapaz de emular com ela os sentimentos que compartilha diariamente com
Samantha. Ciúme, insegurança, medo. Autênticas emoções que nascem do convívio,
nos longos momentos de cumplicidade serena após a usual satisfação sexual dos
primeiros meses de uma relação. Ao lembrar-se de sua esposa, vivida por Rooney
Mara (ele se recusa a formalizar o divórcio, mesmo sabendo que não há mais
possibilidade de retorno), ele percebe que está apenas ativando uma versão dela
em sua memória afetiva, algo facilmente manipulável. A nostalgia embeleza tudo
o que toca. O que é, afinal, real? Como quando sentimos pena na poética morte
de HAL 9000 no clássico de Stanley Kubrick, acabamos nos surpreendendo com o
nível de afeto que desenvolvemos ao longo da trama pelo casal...”
2 – Boyhood – Da Infância à Juventude (Boyhood), de
Richard Linklater
“... Parafraseando John Lennon, a vida é aquilo que acontece
enquanto você está ocupado com outros planos. A breve e cruel experiência do
aprender a desapegar, necessitando superar obstáculos que nos surpreendem nos
momentos mais improváveis. Uma sucessão de erros e acertos cometidos por
estranhos seres complexos que se descobrem compartilhando um mesmo universo de
incertezas, unidos em uma sinfonia diária de perguntas cujas respostas nunca
são encontradas. O diretor Richard Linklater ousou tentar decodificar esse
enigma existencial em um projeto ambicioso em escala, mas com uma sensibilidade
minimalista, capturando ao longo de quase doze anos as mudanças na vida do
protagonista, a jornada fascinante que o leva da inocência de sua infância à
maturidade precoce em sua juventude. O filme é impressionante na forma como nos
faz refletir sobre nossas próprias vidas, sem apelar para os recursos
emocionais tradicionais, resultando em um lindo e único retrato proustiano das
várias etapas na formação do homem...”
3 - Até o Fim (All is Lost), de J.C. Chandor
“... É espantosa a precisão de Chandor, responsável
pelo roteiro e direção, ao narrar essa batalha do homem contra as forças da
natureza. Tendo passado por uma experiência quase fatal na adolescência, quando
conseguiu se desprender das ferragens de seu carro, após uma forte colisão, ele
constrói nesse filme uma fascinante parábola sobre a fragilidade da
mortalidade, sobre a beleza triste de um homem que lamenta sua própria morte. Ponto
essencial de ruptura: Não precisamos nos conectar emocionalmente com o
personagem. O roteiro não perde tempo em flashbacks idílicos, sequer introduz
dicas consideráveis sobre a vida do homem de quem não sabemos o nome. A
Virginia Jean que dá nome ao barco pode ser sua esposa, sua mãe, sua filha ou
ninguém em especial, não importa. O anel em seu dedo pode ser uma aliança, como
também pode não simbolizar coisa alguma. Com exceção da narração no início, que
pode ser direcionada a alguém ou à sua própria consciência, o filme
praticamente é todo estruturado em silêncio. Cada espectador irá criar sua
própria história sobre o homem e suas motivações. Não existe o elemento da
outridade, clichê em qualquer obra similar. Até mesmo Ernest Hemingway
presenteou o seu Santiago com um espadarte que lhe serviu de confidente
silencioso. O homem que acompanhamos não interage ou interdepende de ninguém.
Ele apenas existe a partir do outro, nesse caso, o espectador. No horizonte se
insinua cada vez mais ameaçadora uma devastadora tempestade, que aniquilaria
facilmente o barco mais resistente, um destino inevitável, como a morte. O
barco de nosso Sísifo fica cada vez mais desgastado, após cada obstáculo
superado, mas existe alguma força inexplicável que, contra todas as
probabilidades, mantém o homem acreditando que aquele “corpo” irá resistir.
Numa analogia ao O Velho e o Mar, o homem é o peixe, restando ao final apenas a
alma. Apenas?...”
4 - O Homem Duplicado (Enemy), de Denis Villeneuve
“... O roteiro capta sutis analogias do autor ao
totalitarismo e, como em toda fábula, as potencializa generosamente. Conhecemos
o professor exatamente enquanto ele tentava ensinar aos seus alunos sobre a
obsessão do Estado em controlar o povo, entregando pão e circo e mantendo-os
ignorantes, pois é mais fácil manipular um gado com preguiça de pensar. Como
educador, ele é o principal alvo daqueles que tencionam o regime ditatorial, já
que é o responsável por incitar nos jovens o estímulo ao questionamento.
Tomadas rápidas mostram o que parece ser uma teia de aranha sobre a cidade,
ilusão criada pelo ângulo da câmera ao focar simples cabos elétricos. Em outro
momento, uma rápida tomada aérea transforma vários prédios em um imenso
labirinto, reforçando a batalha diária dos indivíduos que se espremem pelos corredores,
muitas vezes sem encontrar sentido para tal esforço. Uma teia que anestesia
enquanto sufoca gradativamente sua vítima. O totalitarismo, nas palavras do
próprio professor, tolhe todas as formas de expressão individual, exatamente o
que ocorre com ele quando descobre surpreso que não é mais um indivíduo, que
existe uma duplicata exata sua, uma perfeita antítese, vivendo uma vida de
aventuras, um artista especialista em representar outros papéis...”
5 - O Grande Hotel Budapeste (The Grand Hotel Budapest),
de Wes Anderson
“... Existe um pouco da elegância cômica de Ernst Lubitsch,
uma melancolia que ecoa a de O Tempo Redescoberto de Marcel Proust, criativas
gags sonoras que remetem a Jacques Tati, uma respeitosa reverência à fictícia
Freedonia dos Irmãos Marx, até mais explicitamente uma homenagem a Blake
Edwards, em uma das situações mais engraçadas no terceiro ato e na inspiração
em Clouseau, eterno Peter Sellers, nos trejeitos do personagem de Ralph
Fiennes, mas também vejo grande similaridade com a abordagem metafórica, proposta
por Vicki Baum em seu livro Grande Hotel, do estabelecimento de hospedagem como
um microcosmo humano, um personagem que respira e evolui na história. O aspecto
fabulesco, realçado pelo estilo visual inimitável do diretor, com a fotografia
do usual parceiro Robert Yeoman, e pelo constante uso dos cenários pintados na
paisagem, evidencia ainda mais a contundência emocional da mensagem, que se
revela cada vez mais tocante em revisões. Somos presenteados com uma trama
que é apresentada pela ótica criativa do autor, as lembranças que ele conta a
partir das lembranças do dono do hotel, enquanto jovem impressionável, vivido
por F. Murray Abraham e pelo promissor estreante Tony Revolori. Esse recurso
narrativo possibilita, com o auxílio de uma espécie de MacGuffin, o quadro do
garoto com a maçã, uma intensa experimentação com vários gêneros, como o filme
de espionagem, o filme de prisão, o giallo italiano, a comédia pastelão e até o
terror, representado especialmente pelo personagem vivido por Willem Dafoe...”
6 - Garota Exemplar (Gone Girl), de David Fincher
“... Falar sobre a trama, nesse caso, é um desserviço à
obra, que se beneficia com a ignorância do espectador. A desconstrução de um
modo de vida, onde o diretor flerta cinicamente com os clichês do gênero,
exibindo a ferida aberta na imprensa sensacionalista, a manipulação da opinião
pública, a teatralidade das investigações do desaparecimento da jovem, elemento
que se confunde à teatralidade nos relacionamentos, simbolizado pelo ritual do
casamento...”
7 - O Lobo Atrás da Porta, de Fernando Coimbra
“... O filme é autoral e minimalista, mas inteligentemente
não é anti-indústria. O impactante resultado final incita naturalmente o boca a
boca no espectador, mérito exatamente das convenções do gênero bem executadas
que a obra abraça. Não saberia por onde começar os elogios às atuações de
Leandra Leal e Milhem Cortaz. A bela e talentosa atriz entrega um desempenho
assustador, transmitindo na sutileza de olhares a vulnerabilidade da
personagem, atravessando os diversos estágios psicológicos de seu arco
narrativo, indo da doçura à intensa crueldade em questão de segundos. Até mesmo
o personagem vivido por Emiliano Queiroz, aparecendo pouco e sem dizer uma
palavra, acaba se mostrando narrativamente essencial no entendimento do enigma
comportamental que envolve a protagonista. Cortaz continua sendo uma força da
natureza, praticante da difícil arte de fazer todos os diálogos do roteiro
soarem como improvisos naturais, sempre com um toque de ironia. Ele vive um
homem preso em um relacionamento desgastado, que acaba encontrando a injeção de
ânimo no arriscado desafio amoroso que enxerga numa jovem que conheceu num
transporte público, um simbólico motivo condutor do roteiro e que se apresenta
desde os créditos iniciais até o desfecho, representando o fator desconhecido
que se esconde nas várias encruzilhadas decisórias diárias na vida de todo
indivíduo...”
8 - A Balada de um Homem Comum
(Inside Llewin Davis), de Joel e Ethan Coen
“... Com uma direção de fotografia inspirada na capa do
disco The Freewheelin, de Bob Dylan, a trama, com toques do humor
característico dos irmãos Coen, evidencia a angústia diária de um músico criativo
enfrentando a mediocridade em sua indústria, que celebra canções padronizadas
defendidas por artistas de barro, sem personalidade e estofo cultural. A
narrativa conscientemente lenta, com todas as canções apresentadas na íntegra, estabelece
um tom quase fúnebre, como se estivéssemos assistindo a gradativa morte dos
sonhos profissionais do personagem, que, incapaz de conviver em harmonia com
seus semelhantes, acaba se entregando emocionalmente ao elemento inesperado, um
gato que cruza seu caminho por acidente. Mas o sorriso se mantém no rosto do
espectador, já que seu fracasso consiste em não se vender para o esquema
asqueroso do mercado. Mesmo perdendo, ele está ganhando...”
9 – Sobrevivente (Djúpið), de Baltasar Kormákur
“... O sentimento de desajuste social, sua timidez perante
as câmeras, sua resiliência ao negar qualquer modificação pessoal causada pela
tragédia, são elementos que demonstram a negação consciente do protagonista em
ser transformado em um estereótipo de heroísmo por estranhos financeiramente
interessados na eterna lembrança de sua desgraça. Ele viveu um momento ruim,
mas isso não modificou sua essência, não fez com que ele se tornasse alguém
mais interessante socialmente. Como ele mesmo insinua em uma cena, ninguém
realmente se importa com o que aconteceu, tudo não passa de uma estatística
midiática para preencher temporariamente as páginas dos jornais com manchetes
sensacionalistas. Gulli nunca temeu a morte e recusa a falsidade daqueles que
se aproximam dele pelo herói que ele nunca foi, ele quer apenas ser esquecido
pelos urubus sociais, voltar ao trabalho e ao convívio diário com seu cachorro...”
10 - Guardiões da Galáxia (Guardians of the Galaxy), de
James Gunn
“... Ao se conectar com seu passado através de um objeto tão
frágil como um toca-fitas, Quill nos evidencia que sua anarquia é uma resposta
imatura para os obstáculos da vida adulta. A lembrança triste da morte de sua
infância, com seu desapegar forçado da mãe, não pode ser empecilho para a
aceitação de sua missão ao lado de seus novos amigos. Somente quando ele abraça
essa constatação, optando por verter a lágrima ao invés de retê-la, o jovem se
mostra preparado para singrar o espaço sideral, como Luke Skywalker ao aceitar
deixar seu conforto para acompanhar Ben Kenobi. É o clássico conto de
amadurecimento que se repete a cada geração...”