Um Corpo Que Cai (Vertigo - 1958)
Alfred Hitchcock prestava tremenda atenção nos detalhes e
incitava seu público a acompanhá-lo nessa postura ativa, não apenas observando,
mas fazendo parte da investigação. Basta nos lembrarmos da cena do
infantilizado quarto de Norman Bates em “Psicose”, onde por alguns segundos, a
câmera foca no vinil que repousava na vitrola: “Eroica, Sinfonia No. 3, E-flat
major, Op.55 de Beethoven”. Na marcha fúnebre composta no século 19, à memória
de Napoleão, está contido o trecho que serviu de inspiração para Bernard
Herrmann emoldurar as facadas na cena do chuveiro. São detalhes que podem
passar despercebidos, mas o mestre do suspense preferia nunca subestimar o
indivíduo sentado na sala escura.
Em “Um Corpo que Cai”, um dos símbolos visuais mais fortes (além do verde como
símbolo da morte) é a espiral, representando o vazio (o protagonista vive de
frágeis ilusões mentirosas) e a impossibilidade do total controle emocional
pelo ser humano. Na abertura clássica de Saul Bass ela aparece nos olhos de uma
mulher. Quando o personagem de James Stewart olha para seu parceiro morto no
asfalto, os membros de seu corpo formam uma espiral. Mais adiante na trama, a
Carlotta pintada no quadro mantém seu cabelo preso em forma de meticuloso
espiral, assim como Madeleine (a câmera foca nesse detalhe) que a observa. Judy
ostenta um corte de cabelo com pequenas espirais caídas sem precisão sobre sua
testa, como se simbolizasse um caos que Scottie (Stewart) precisará controlar.
A morte do colega e a presença da enigmática mulher são fatores que auxiliam no
gradual descontrole emocional do protagonista. A espiral retorna no brilhante
desfecho, representada pela escada da igreja.
Analisando literalmente o roteiro, podemos (e boa parte da crítica da época
assim o fez) vê-lo apenas como uma engenhosa história de detetive, mas pela
ótica da psicologia a trama traça os meandros do labirinto da mente de um homem
perturbado por um devastador sentimento de culpa, que o faz tentar
desesperadamente transformar Judy (Kim Novak) em um objeto de fetiche, enquanto
procura curar o deslocamento do seu ego. Ao resgatar Madeleine do afogamento
certo, Scottie se torna Orfeu, disposto a tudo para trazer sua Eurídice de
volta do Hades. Como Pigmalião, será sua insistência em recriá-la (recriar a
perfeição que idealiza) no corpo de outra mulher a causa de sua tragédia, não
sua recorrente acrofobia, um ótimo “MacGuffin”.
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