Meu Amigo Totoro (Tonari no Totoro – 1988)
Esse filme me leva de volta à primeira infância. Recordo aqueles anos iniciais, antes das preocupações com o horário de ter que acordar e ir pra escola, quando escutar uma narração de um livro de contos de fadas representava realmente adentrar no colorido daquelas páginas, chegando a sentir até o sabor dos doces da casa da bruxa em João e Maria.
O mundo era empolgante e convivíamos com elementos mágicos, seres que se escondiam nas sombras e que, com sorte, instigavam os pais a elaborarem explicações fantásticas que estimulavam ainda mais a imaginação dos filhos. Como o pai de Mei e Satsuki, que numa das cenas mais bonitas, pede uma reverência ao ser que sua filha diz ter visto, chamando-o de “guardião da floresta” e afirmando que ele irá aparecer para ela quando ele assim o desejar. Os pequenos seres de fuligem que tomam conta de locais vazios e que fogem quando alguém sorri, fazendo alusão à solidão e ao pó que se acumula em locais onde a tristeza/depressão domina. O pai é um homem inteligente, culto, um sábio professor, mostrado sempre em seu escritório como uma ilha rodeada por vários livros. Ele as ensina a superar o medo do desconhecido através do incentivo ao lúdico, diferente de muitos pais irresponsáveis que ensinam o medo do lúdico como forma de não perderem tempo explicando para os filhos o desconhecido.
Algumas cenas são representações fiéis da cultura comportamental do povo oriental, como os alunos que se preocupam em limpar suas salas de aula, antes de voltarem para suas casas, numa demonstração de respeito e valorização por aqueles que os ensinam e pelo local de aprendizado. Obviamente que uma obra tão sensível e inteligente só poderia nascer da mente de um representante desse povo dedicado ao constante autoaprimoramento pessoal. O diretor Hayao Miyazaki mostra às crianças que a natureza retribui em dobro o carinho que recebe, optando por escolher como símbolo o fofo Totoro, uma figura que encanta imediatamente o público alvo. É emocionante a amizade entre as irmãs, com a adorável caçula Mei imitando todos os gestos da mais velha, repetindo todas as suas palavras e querendo apenas ficar perto dela o maior tempo possível, ainda que seja compartilhando a mesa durante uma manhã de aula na escola. A forma como o roteiro enaltece a força da comunidade em que elas vivem, com todos se importando com o próximo e se ajudando, como a vovó e o pequeno Kanta, tímido sempre que encontra Satsuki.
Existe uma teoria sombria que defende que a trama teria origem num caso de suicídio ocorrido no Japão na década de sessenta e que os seres representariam anjos da morte, mas basta apenas um olhar mais atencioso para ver que os argumentos são pífios e não resistem a uma análise séria, além do fato do próprio estúdio negar oficialmente essa inspiração fúnebre. Os seres que as meninas enxergam são os mesmos que os adultos afirmam terem testemunhado quando crianças. A própria música-tema ressalta esse detalhe. Querer encontrar cinismo nesse roteiro, eu tenho certeza, reflete mais a personalidade torta de quem procura essas possíveis conexões.
Em nenhum momento é revelada a enfermidade da mãe, o que importa é o impacto emocional nas crianças, já que é através dos olhos delas que enxergamos o filme. Miyazaki é autobiográfico, já que sua mãe passou anos no hospital com tuberculose quando era menino, conseguindo sobreviver e voltar para o convívio do lar, assim como a mãe das meninas. E é válido salientar que, diferente das animações infantis ocidentais, não é mostrado que os problemas são plenamente resolvidos ao final, preferindo apresentar para as crianças um mundo realista onde devemos aprender a lidar com os eventuais obstáculos, sabendo que a verdadeira felicidade pode residir no meio termo entre a angústia e a esperança de solução.
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A distribuidora Versátil está lançando o filme em DVD e Blu-ray, restaurado e com vários extras.
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