quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

"Viva - A Vida é Uma Festa", de Lee Unkrich e Adrian Molina


Viva - A Vida é Uma Festa (Coco - 2017)
A Pixar teve um longo período inicial de puro brilhantismo, de 1995 a 2010, depois entregou produtos medianos, parecia que haviam substituído a sensibilidade autoral passional pelo lucro imediatista. “Divertida Mente”, de 2015, resgatou a esperança em grande estilo, mas ainda não transbordava aquele senso maravilhosamente lírico que só pode ser comparado no gênero aos trabalhos de Hayao Miyazaki. Com “Viva – A Vida é Uma Festa”, obra-prima impecável, o estúdio alcança o mesmo nível de seus primeiros esforços, um roteiro que sintetiza diversos temas importantes e injeta uma carga generosa de emoção em um conto sobre desilusão ambientado na terra dos mortos, vale ressaltar, conceitos nada convencionais em animações infantis e que são inseridos de forma muito corajosa.

O pequeno Miguel (Anthony Gonzalez/Arthur Salerno) venera seu ídolo, o falecido cantor Ernesto de la Cruz (Benjamin Bratt/Nando Pradho), mas precisa esconder este sentimento de sua família, que tem tradição no ramo da sapataria e um ódio profundo por qualquer manifestação musical, já que seu tataravô abandonou a família para seguir carreira artística. O menino cresceu escutando estas histórias fundamentadas na amargura e na incompreensão, mas seu espírito se recusa a ser dominado por impulsos baixos, ele enxerga fissuras no muro de lamentação que seus pais construíram em sua vida, a identificação com o ídolo é a luz que invade pela fresta, o estímulo que aquece e conforta. O valor da memória, leitmotiv do filme, é simbolizado pelo respeito com que a criança trata o artista que já havia falecido antes de seu nascimento. Ele irá contar com a ajuda de Hector (Gael García Bernal/Leandro Luna), um desajeitado esqueleto que sonha conseguir visitar a terra dos vivos. Sem revelar muito, já que qualquer informação neste caso prejudica bastante a experiência, eu ressalto a reviravolta inteligente do segundo ato, a maturidade com que o roteiro evita os artifícios de chantagem emocional usuais em animações infantis, subvertendo as crenças do menino e, por conseguinte, do público. Alguns detalhes são geniais, perceba como a música-tema é trabalhada, gradativamente simplificada e ressignificada. E destaco também a forma respeitosa com que a cultura mexicana é abordada, intrinsecamente relacionada ao desenvolvimento narrativo, algo infelizmente raro em produções norte-americanas.

A catarse emocional dos últimos dez minutos é profundamente impactante porque representa a celebração de valores humanos que, especialmente nos tempos em que vivemos, parecem ter sido abandonados. As lágrimas não resultam de esforços audiovisuais manipulativos tecnicamente calculados, já que o espectador comprou desde os primeiros minutos a autenticidade daqueles personagens, o mérito é da qualidade do texto que opera em diversas camadas de interpretação. O amor transcende a presença física, não faz sentido temer a morte, lutar contra o inevitável, o verdadeiro malefício envolve o ato de esquecer. As lembranças ternas são (literalmente na trama) a ponte que une o tangível possível e a eternidade que só ganha valor exatamente por ser desafiada pela finitude.

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