Viagem à Itália (Viaggio in Italia - 1954)
Dentre os grandes cineastas que são usualmente citados quase
que como unanimidade em importância na história do cinema, eu confesso que
Roberto Rossellini não é dos meus favoritos, apesar de obviamente reconhecer
seu valor na escola do neo-realismo italiano, não me sinto tocado por grande
parte de seus trabalhos, para além da apreciação acadêmica. As três exceções
são “Alemanha, Ano Zero”, “Roma, Cidade Aberta” e “Viagem à Itália”, pérolas que
revejo com frequência, especialmente o último.
O casal de ingleses, Ingrid
Bergman e George Sanders, viaja por uma Itália perdida no tempo, com suas
características mais exóticas potencializadas para agradar turistas, uma artificial
fachada, assim como a relação deles, frágil aparência que rui ao primeiro sinal
de que estão sozinhos em um ambiente. O objetivo da venda da mansão que
ganharam como herança de um tio segue numa camada inferior, mais como alegoria
para o interesse nacional em esquecer o passado e seguir em frente, enquanto testemunhamos
duas pessoas que já se amaram intensamente colidirem nos escombros de suas
próprias escolhas. Rossellini se desprende do modelo clássico de progressão
dramática, o estilo fala mais alto que o conteúdo, experimentando a antinarrativa
que seria abraçada por Antonioni e pelos franceses na década de sessenta. O
homem está interessado em testar seu charme em novas conquistas amorosas, ainda
que pueris, mas a mulher parece dominada por um desejo arqueológico, visita
museus, templos e o Vesúvio. Ele, metaforicamente, está querendo forjar uma
nova identidade, uma nova imagem pessoal, enquanto ela claramente tenta
investigar em seu passado os erros que a colocaram nessa realidade conjugal
desastrosa. A aparente simplicidade da trama pode fazer com que o espectador
não dedique atenção a vários detalhes preciosos. Ela encontra em uma escavação
em Pompéia os corpos calcinados de um casal que morreu abraçado há dois mil
anos, um casal que poderia ser eles, pessoas que poderiam estar sofrendo com os
mesmos questionamentos, mas que as cinzas do vulcão eternizaram em um momento
de carinho, o afeto que nasce do desespero ao encarar a morte certa. Ela se vê
como uma estátua, parecida com aquelas dos imperadores romanos no museu que
visitou horas antes, uma figura que está fadada a desaparecer no tempo e espaço,
esbarrando frequentemente com grávidas e carrinhos de bebê, a ideia da
continuidade física que não a satisfaz.
Toda a angústia existencial, as
dúvidas, as brigas, a preocupação em ter razão, tudo que soa tão urgente no
momento irá se tornar irrelevante, somos poeira de estrelas, ossos em uma vala,
cinzas espalhadas ao vento, corpos observados de perto por um Vesúvio
implacável, somos viajantes em uma estrada onde cada bifurcação oferece possibilidades
enigmáticas, aventura e solidão, mas temos estoque muito limitado de combustível.
O belo desfecho ambientado na procissão religiosa simboliza a resolução
encontrada pelo casal, o abraço desesperado de afogados. E há ternura, apesar
de tudo.
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