sábado, 22 de outubro de 2016

"Viagem à Itália", de Roberto Rossellini


Viagem à Itália (Viaggio in Italia - 1954)
Dentre os grandes cineastas que são usualmente citados quase que como unanimidade em importância na história do cinema, eu confesso que Roberto Rossellini não é dos meus favoritos, apesar de obviamente reconhecer seu valor na escola do neo-realismo italiano, não me sinto tocado por grande parte de seus trabalhos, para além da apreciação acadêmica. As três exceções são “Alemanha, Ano Zero”, “Roma, Cidade Aberta” e “Viagem à Itália”, pérolas que revejo com frequência, especialmente o último. 

O casal de ingleses, Ingrid Bergman e George Sanders, viaja por uma Itália perdida no tempo, com suas características mais exóticas potencializadas para agradar turistas, uma artificial fachada, assim como a relação deles, frágil aparência que rui ao primeiro sinal de que estão sozinhos em um ambiente. O objetivo da venda da mansão que ganharam como herança de um tio segue numa camada inferior, mais como alegoria para o interesse nacional em esquecer o passado e seguir em frente, enquanto testemunhamos duas pessoas que já se amaram intensamente colidirem nos escombros de suas próprias escolhas. Rossellini se desprende do modelo clássico de progressão dramática, o estilo fala mais alto que o conteúdo, experimentando a antinarrativa que seria abraçada por Antonioni e pelos franceses na década de sessenta. O homem está interessado em testar seu charme em novas conquistas amorosas, ainda que pueris, mas a mulher parece dominada por um desejo arqueológico, visita museus, templos e o Vesúvio. Ele, metaforicamente, está querendo forjar uma nova identidade, uma nova imagem pessoal, enquanto ela claramente tenta investigar em seu passado os erros que a colocaram nessa realidade conjugal desastrosa. A aparente simplicidade da trama pode fazer com que o espectador não dedique atenção a vários detalhes preciosos. Ela encontra em uma escavação em Pompéia os corpos calcinados de um casal que morreu abraçado há dois mil anos, um casal que poderia ser eles, pessoas que poderiam estar sofrendo com os mesmos questionamentos, mas que as cinzas do vulcão eternizaram em um momento de carinho, o afeto que nasce do desespero ao encarar a morte certa. Ela se vê como uma estátua, parecida com aquelas dos imperadores romanos no museu que visitou horas antes, uma figura que está fadada a desaparecer no tempo e espaço, esbarrando frequentemente com grávidas e carrinhos de bebê, a ideia da continuidade física que não a satisfaz. 

Toda a angústia existencial, as dúvidas, as brigas, a preocupação em ter razão, tudo que soa tão urgente no momento irá se tornar irrelevante, somos poeira de estrelas, ossos em uma vala, cinzas espalhadas ao vento, corpos observados de perto por um Vesúvio implacável, somos viajantes em uma estrada onde cada bifurcação oferece possibilidades enigmáticas, aventura e solidão, mas temos estoque muito limitado de combustível. O belo desfecho ambientado na procissão religiosa simboliza a resolução encontrada pelo casal, o abraço desesperado de afogados. E há ternura, apesar de tudo.

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