sábado, 8 de outubro de 2016

"Tootsie", de Sydney Pollack

Ninguém Acreditava em Dustin Hoffman:


Tootsie (1982)
A primeira coisa que lembro quando penso em “Tootsie” é a encantadora trilha sonora de Dave Grusin, especialmente a faixa “An Actor’s Life”, que transmite o dinamismo de um ator lutando pra sobreviver na selva urbana. Sem esquecer a balada “It Might Be You”, cantada por Stephen Bishop, que dá o tom do romance proibido entre Michael (Dustin Hoffman) e Julie (Jessica Lange), mas também emoldura o florescimento de uma relação mais proibida ainda, entre o pai de Julie e Tootsie. Acho válido começar o texto ressaltando a forma como esse elemento é trabalhado no roteiro, uma demonstração valorosa de sensibilidade e refinamento cômico.

Les, o pai viúvo vivido por Charles Durning, encontra na nova amiga da filha o companheirismo respeitoso que ele compreende que não seria uma agressão à imagem de sua esposa, o romance em seu estado mais puro, alguns diriam até antiquado. É muito diferente do desejo carnal que estimula o inseguro galã da telenovela (George Gaynes) a perseguir atrizes bem mais novas que ele. Michael reconhece essa nobreza de caráter no viúvo, quase que se sentindo orgulhoso de ter, como Tootsie, despertado esse carinho nele. O roteiro trata essa relação complicada com a tinta do humor, mas com a caligrafia de um poeta, delicadamente analisando cada linha. Há uma cena linda, após a revelação da identidade, quando Michael reencontra o viúvo em um bar, pela primeira vez sem o disfarce. Quase não há diálogo entre os dois, tudo se resume nos olhares. Qualquer comédia moderna forçaria a mão no aspecto bizarro do que ocorreu, mas a admiração mútua fala mais alto, Michael paga a rodada de bebida, Les sugere querer extravasar a raiva, mas, em questão de segundos, o seu olhar enternece, enxergamos a gratidão tomando o lugar do desconforto. Da mesma forma que Tootsie mudou a maneira como Michael enxergava a riqueza de nuances do feminino, e, por conseguinte, fez com que suas colegas de trabalho conquistassem mais segurança e amor próprio, ela também trouxe esperança romântica para Les. E o mais bonito nisso é constatar que Tootsie é apenas o inconsciente de Michael se projetando sobre seus medos, não é uma personagem criada por algum autor para que ele interpretasse.

Na cena da festa vemos a ambiguidade de sentimentos de Julie, que, em confissão íntima com a amiga, afirma preferir que os homens fossem diretos no flerte, mas ao receber uma dose de sinceridade de Michael, um estranho para ela até aquele momento, não pensa duas vezes antes de despejar agressivamente o líquido da taça em seu rosto. A cena é cômica, mas traz uma reflexão, o ser humano vive em constante conflito entre aquilo que deseja e os dogmas sociais que o culpam por aquele desejo. No intuito de se libertar dessa escravidão comportamental, Julie precisava se desapegar das ambições profissionais que a faziam manter uma relação doentia com o grosseiro e mulherengo diretor da telenovela. Ao final, a fala de Michael resume muito bem o sentido do amor: “A parte difícil já passou, nós já somos bons amigos”. É apenas isso que importa, o resto é fogo que pode se apagar a qualquer momento. E, como ele bem salienta, “nesse estágio da nossa relação, pode ser uma boa vantagem eu usar calças”. 

“Tootsie” não é apenas uma das melhores comédias da história do cinema, eu o considero um dos melhores roteiros já produzidos pela indústria, mérito de Larry Gelbart, Murray Schisgal e do próprio Dustin Hoffman. 

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