terça-feira, 18 de outubro de 2016

"Senta a Pua!", de Erik de Castro


Senta a Pua! (1999)
Nesse final de semana perdi um bom amigo, o capitão Osias Machado da Silva, um herói nacional, veterano da Segunda Guerra Mundial, fez parte do lendário Primeiro Grupo de Aviação de Caça da Força Aérea Brasileira, que tinha o “Senta a Pua!” como simbólico grito de guerra. Uma amizade de onze anos de muitas histórias sobre sua experiência militar e anedotas, já que ele era um senhor que tinha uma piada reservada na manga para qualquer situação. Grande orador, ele aproveitava todos os eventos festivos familiares para fazer um discurso, sempre muito enriquecedor. Ele tinha um orgulho tremendo de todas as condecorações que recebeu ao longo da vida, como Mérito Santos Dumont, o Mérito Aeronáutico e a Presidential Unit Citation dos EUA, entre muitas outras que estão emolduradas nas paredes da sala de seu apartamento, Osias era um tipo de pessoa em extinção, um indivíduo que se importava em deixar um legado que honrasse os valores que ele defendia, mérito importante em um período tão dominado pela absurda inversão de valores.

Um dos últimos registros fotográficos com o querido amigo Osias, na festa de seu aniversário.
Nas nossas primeiras conversas, pra quebrar o gelo, eu procurava questionar sobre a guerra pela vertente do cinema, falávamos de “Patton”, “Casablanca” e “O Mais Longo dos Dias”, mas o filme favorito dele era “... E o Vento Levou”. Gentil, ele sempre torcia pela minha jornada na área artística, fez questão de me dizer, com toda cerimônia, palavras lindas após ler meu livro. Ainda triste por saber que não escutarei mais suas histórias e piadas, mas feliz com as belíssimas homenagens que foram prestadas em seu funeral, acho importante realizar essa singela homenagem abordando brevemente o melhor documentário sobre a participação brasileira no conflito contra o nazifascismo na década de quarenta, dirigido por Erik de Castro, com a participação do meu amigo em vários momentos. Esse filme, junto com o livro homônimo escrito pelo brigadeiro Rui Moreira Lima, são registros essenciais que deviam fazer parte do currículo estudantil de todos os jovens brasileiros. 

A estrutura didática e estilisticamente pouco ousada do documentário, com narração de Silvio Vasconcellos, facilita a compreensão da magnitude do evento para todo tipo de público, mas o mérito da obra está no foco que inteligentemente se mantém no material humano, relatos emocionantes dos sobreviventes abordando situações que facilmente renderiam filmes específicos seguindo cada depoimento, já que transbordam perigo, altruísmo, sacrifício e redenção, utilizando até mesmo vídeos das câmeras dos próprios aviões, além de ilustrações e fotos garimpadas do Arquivo Nacional de Washington. Se a abordagem nada crítica do diretor reduz o projeto a uma homenagem sem espaço para qualquer questionamento, o extremo oposto de “Rádio Auriverde”, de Sylvio Back, o espectador mais dedicado pode imaginar que a verdade reside em algum lugar entre a desconstrução debochada de Back e o heroísmo clássico celebrado por Castro. A preservação histórica no Brasil, terra onde o povo despreza a memória, não poderia ser pior, então é dever cívico nadar contra essa corrente de mediocridade. Estudar, questionar, mas acima de tudo, respeitar os esforços desses combatentes, para que as próximas gerações de brasileiros não precisem depender dos arquivos estrangeiros para entenderem a história da própria nação. 
Comentários
1 Comentários

Um comentário: