Um dos erros mais terríveis que um professor pode cometer é subestimar seus alunos. Sei que hoje em dia o ambiente escolar é bem diferente do que eu vivi outrora, os pais omissos acreditam que é dever exclusivo do estabelecimento educar as crianças, pequenos delinquentes que só faltam bater nos mestres, sem qualquer respeito pela figura de autoridade. Mas eu creio estar escrevendo agora para jovens muito bem educados e pais presentes e responsáveis. Quando eu era pré-adolescente, a minha escola indicava a leitura de obras tematicamente pouco interessantes, aquelas histórias genéricas que vinham com a faixa etária do leitor indicada na capa. Eu estava acostumado a tentar decifrar os mistérios da Agatha Christie no sofá de casa, aquelas aventuras bobinhas eu lia em um par de horas, apenas pra fazer os exercícios. Então eu compreendia a reação sonolenta de meus colegas de classe que não utilizavam livro sequer como aparador de porta. Se o objetivo da escola era incentivar o hábito da leitura, estavam falhando miseravelmente. O mesmo ocorria com relação ao uso do cinema em sala de aula.
Eu entendo que uma escola não pode arcar com um profissional
responsável pela curadoria cinematográfica, mas bastaria bom senso e um mínimo
de empatia para perceber que mostrar um filme nacional ruim sobre a época do
Brasil colonial para uma turma de crianças não era uma boa ideia. Se eu já não
fosse apaixonado por filmes, desde que conheci “Ben-Hur” aos quatro anos, em
VHS, provavelmente aquelas sessões escolares teriam me traumatizado para o
resto da vida. Esses erros ocorrem porque a criança usualmente é vista pela
escola como uma caricatura estereotipada, padronizada, ao invés de um jovem
adulto em formação. Eu tive a sorte de ter um professor rebelde e conhecer em
uma dessas sessões o trabalho anárquico do Monty Python. Quem me apresentou
esse grupo inglês foi Luís Felipe, meu professor de História em um colégio de
freiras, um herói que ludibriou a supervisora dizendo que “A Vida de Brian”
tinha bonitas mensagens católicas. Ele ensinou, com essa atitude, que o
cabresto nunca é uma opção válida. Até hoje eu me recordo da gargalhada
coletiva da turma em vários momentos do filme, enquanto as freiras vigiavam do
lado de fora da sala, tentando entender o motivo de tanta alegria, afinal,
nunca havíamos nos comportado assim nas exibições usuais de filmes religiosos e
do Telecurso.
Tudo o que aprendemos nas salas de aula, as informações que
memorizamos para tirar boas notas em todas as matérias, nada disso ajuda a
formar um bom caráter. A aluna mais inteligente da turma, aquela que se força a
acertar sempre todas as questões das provas, pode ser um monstro dentro de
casa, ignorando sua empregada doméstica e tratando os pais como lixo. O rapaz
que passou no vestibular com louvor e está sendo aplaudido pela família por ter
escolhido a faculdade de Direito, pode estar interessado apenas em aprender maneiras
rentáveis e legais de passar a perna nos outros. Uma dica para os pais: Não se
preocupem tanto com as notas de seus filhos na escola, incentivem neles desde
criança o hábito da leitura e o amor pelos filmes. Apenas o interesse pelo
garimpo cultural realmente forja o caráter e os valores de um indivíduo. O
cinema é uma ferramenta importantíssima na educação escolar, como irei abordar
de forma didática abaixo:
- Apresente para a turma duas versões cinematográficas para
uma mesma história, por exemplo, “O Conde de Monte Cristo” de 1975 e 2002. E,
ainda melhor, complemente indicando a leitura da obra original de Alexandre
Dumas, pai. A trama de vingança será devorada pelas crianças, uma aventura que
eles nunca irão esquecer. Apresente também versões em quadrinhos. E estimule o
debate sobre as diferenças que eles notaram entre as duas versões, quais
aspectos foram mais bem trabalhados em cada adaptação, o que poderia ter sido
mais fiel ao livro, ou se a opção pela liberdade poética foi um acerto do
filme. O cinema ajuda a despertar o senso crítico do aluno.
- Ao invés do professor de História estimular a memorização
de perguntas e respostas, que ele desperte no aluno o real interesse pelo
assunto abordado. E qual a melhor forma de conseguir isso? Indicando como dever
de casa uma sessão de um filme que aborde o tema. Se o tema é a Segunda Guerra
Mundial, prepare um debate na semana seguinte sobre a experiência dos alunos
com “A Noviça Rebelde”, “A Lista de Schindler”, “O Pianista” e “Cemitério dos
Vagalumes”. Quatro produções que abordam o tema de maneiras completamente
diferentes, com estilos distintos: musical, drama e animação. O cinema ajuda a
despertar a empatia do aluno pelo tema abordado na matéria.
Você não precisa ser analista do comportamento humano para
constatar que a situação atual da educação no Brasil está vergonhosa. É o
momento exato pra que a zona de conforto educacional seja abalada positivamente
por um ímpeto criativo ousado. Que os professores de amanhã entendam que o mais
importante é ajudar na formação de bons caracteres, indivíduos que
verdadeiramente tenham sido incentivados corajosamente a romper moldes, na
busca pelo aperfeiçoamento constante. São esses jovens de amanhã que irão fazer
dessa nação uma terra digna em que o orgulho ufanista seja uma realidade
tangível, não uma série de discursos vazios. A raiz do problema está na base
educacional. O cinema pode ajudar...
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