Kwaidan – As Quatro Faces da Morte (Kaidan – 1964)
O greco-irlandês Patrick Lafcadio Hearn, que trocaria seu
nome para Yakumo Koizume, foi um escritor apaixonado pela história do Japão. Em
um de seus trabalhos mais importantes, o livro homônimo que deu origem ao filme
de Masaki Kobayashi, ele compilou lendas folclóricas de temática sobrenatural
advindas de uma tradição oral milenar. O título remete a contos fantasmagóricos
ambientados no Período Edo, também chamado de Era Tokugawa, marcado pela
sistematização do bushido, o código de conduta dos samurais. A antologia
consegue o feito raro de manter a qualidade nos quatro episódios, abordando o
horror sempre alicerçado no sentimento de profunda tristeza que move os personagens,
característica madura que se faz presente nos grandes filmes do gênero.
A trilha sonora de Tôru Takemitsu apela diretamente aos
instintos mais primitivos, utilizando sons pouco convencionais, sem estrutura
melódica, como forma de enfatizar a estranheza inerente às tramas. Os efeitos
sonoros de Hideo Nishizaki, ao contrário das produções japonesas de terror
modernas, não tentam instruir o espectador, direcionando sua atenção para os corriqueiros
jump scares, eles atuam quase numa frequência zen, complementando elegantemente
os estímulos visuais. Os cenários e desenhos de fundo, inteligentemente
inspirados em mestres da pintura, faziam uso generoso do formato Tohoscope em
glorioso Fujicolor, sendo esse o primeiro projeto em cores do diretor,
visivelmente disposto a testar os limites do recurso. O público internacional
que apreciava o cinema japonês, acostumado ao preto e branco de Ozu e Kurosawa,
ficou impressionado com aquela experiência multicolorida de ousada inventividade.
Algo tão além de seu tempo que os próprios japoneses não captaram muito bem, “Kwaidan”
fez mais sucesso no mercado estrangeiro, ganhando o prêmio do júri no Festival
de Cannes.
Se “O Cabelo Negro” trabalha impecavelmente o remorso como
leitmotiv, “A Mulher da Neve” segue o caminho da lição moral, com o
protagonista aprendendo de maneira brutal a importância de não romper uma
promessa. “Hoichi – O Sem Orelha”, o conto mais longo e esteticamente
elaborado, é fundamentado no respeito aos mortos honrados, resultando nas cenas
mais emocionantes do filme. “Em uma Xícara de Chá” não é uma adaptação direta
do livro original, evoca o elemento do duplo em narrativa metalinguística e se
debruça generosamente no mistério como força motriz, com um desfecho que
desafia o espectador a decifrar seu enigma.
* A distribuidora Versátil, com a curadoria impecável de
Fernando Brito, lança o filme em DVD numa versão restaurada e integral,
contabilizando três horas de puro deleite visual. Como extras, um excelente
depoimento do diretor (15 min.) e uma reveladora entrevista (20 min.) com Kiyoshi
Ogasawara, que trabalhou como assistente de direção e participou ativamente do
projeto de restauração da obra.
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