Dois Olhos Satânicos (Due Occhi Diabolici / Two Evil Eyes –
1990)
Pensado originalmente como uma antologia de quatro contos, o
projeto acabou reduzido às excelentes contribuições de Dario Argento e George
Romero, mestres no gênero de estilos bem diferentes. Em sua versão de “O Gato Negro”,
melhor segmento do projeto, Argento utiliza elementos de outros contos de Poe,
como “Berenice” e “O Poço e o Pêndulo”, demonstrando o seu respeito pela obra
do autor, com destaque para uma atuação impecável de Harvey Keitel e a intensa
criatividade cênica usual na carreira do italiano. Romero utiliza “O Estranho
Caso do Senhor Valdemar” como moldura para trabalhar seu tema favorito, o
ataque ao capitalismo, sendo ajudado pela competência nos efeitos de Tom Savini,
elemento que garante o alto nível de uma produção que teve vários problemas de
orçamento.
Histórias Extraordinárias (Histoires Extraordinaires – 1968)
É muito curioso que dos três contos utilizados no filme,
aquele que no papel é o menos interessante, “Nunca Aposte Sua Cabeça Com o
Diabo”, um desabafo literário do autor contra os analistas que procuravam
lições de moral em suas histórias, acabou sendo o grande destaque, sem dúvida,
a razão do filme ainda ser lembrado hoje. O mérito é do mestre Federico Fellini,
auxiliado pela trilha maravilhosa de Nino Rota, que entende a essência corajosa
do original e faz de “Toby Dammit” uma crítica à cultura da fama emoldurada em
um perturbador pesadelo metalinguístico. Roger Vadim, que dirige o primeiro
segmento da antologia, conseguiu retirar o impacto visual estimulado pelas
palavras de Poe em “Metzengerstein”, reduzindo tudo à sua especialidade: fotografar
belas mulheres intensamente sexualizadas. Jane Fonda está deslumbrante, mas o
resultado salienta os aspectos negativos de um cineasta que parece tocar na
câmera com a destreza de um chimpanzé tocando violino. Já o segundo segmento, “William
Wilson”, adaptando a boa história do duplo, apresenta um Louis Malle mais
contido, visivelmente inseguro em um terreno desconhecido, mas ganha pontos pela
atuação irrepreensível de um paranoico Alain Delon. Ao sermos conduzidos para o
último segmento, parece que estamos vendo um curta moderno que foi inserido em
uma produção datada, o impacto é tremendo, do estilo visceral na atuação de
Terence Stamp, passando pela direção de arte surrealista, até a esperta
homenagem a Mario Bava na personificação do demônio na forma da menina loira de
“O Ciclo do Pavor”. Fellini firma seu traço autoral na trama, mostrando que só
não se tornou um cineasta reconhecido no gênero do terror porque não quis. O
purgatório do ator britânico vivido por Stamp é o falso paparico dos repórteres
em sua viagem à Itália para promover um novo projeto, o palco excessivamente
iluminado que divide espaço com a extrema pobreza, cenário onde todos estão
sempre maquiados e com sorrisos mecânicos, figuras vazias, caricaturas deprimentes de
sombras que o cortejam em seu caminho para o inferno.
O Corvo (The Raven – 1963)
Ao apostar no humor como tom dominante para o filme, Roger
Corman criou uma pérola que se distancia dos outros projetos do ciclo da AIP,
utilizando o melancólico poema de Poe como espirituosa desculpa para colocar em
cena medalhões como Vincent Price, Boris Karloff e, como a própria ave do
título, Peter Lorre, protagonizando o mais divertido duelo de magos da história
do cinema. Até mesmo os efeitos visuais trabalhados com o baixo orçamento
mantém um charme fascinante, algo que nos remete aos livros de fantasia que
líamos na infância. Vale destacar o hilário relacionamento do personagem de
Lorre com o filho, vivido por Jack Nicholson, um jovem que o idolatra, mas que
recebe como resposta apenas grosseria. O roteiro de Richard Matheson explora
todas as possibilidades cômicas, forçando a mão algumas vezes, mas sempre
amparado pelo carisma matador de Price. Ainda que muitos críticos avaliem
negativamente o clima da obra, o despojamento aparente na leveza das cenas é o
símbolo máximo da competência do diretor, já que o mais difícil é fazer com que
a superação diária de obstáculos no set de filmagem não transpareça para o
espectador, encantado com a naturalidade do elenco no que parece ser uma festa entre amigos de longa data.
Gato Negro (Gatto Nero – 1981)
Um projeto despretensioso feito como um favor de Lucio Fulci
ao produtor Giulio Sbarigi, com fantásticas cenas de gore envolvendo chamas e
objetos pontiagudos, abusando dos seus característicos planos de detalhe nos
olhos, mas com um cuidado maior na construção de clima em um cenário bucólico
inglês, resultando em um verniz mais elegante do que o diretor costumava apresentar
à época. A trilha de Pino Donaggio ajuda a reforçar o tom sobrenatural e a
tristeza da sina de um amaldiçoado, preenchendo as lacunas usuais dos roteiros
de seus filmes. O conto é o mais famoso de Poe, tem um final inesquecível e já
foi inspiração para vários projetos, como “No Quarto Escuro de Satã”, de Sergio
Martino, que a Versátil está lançando na caixa “Giallo, Vol. 3”, até Mario Bava
bebeu dessa fonte em seu “Schock”. Vale comparar a versão de Fulci com a
comandada por Dario Argento em “Dois Olhos Satânicos”, presente na caixa.
* Os filmes estão sendo lançados em DVD pela distribuidora Versátil, com a curadoria sempre impecável de Fernando Brito, no digistack "Edgar Allan Poe no Cinema, Vol. 2", em parceria exclusiva com a Livraria Cultura.
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